Título: Barreiras e autobarreiras
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2005, Editoriais, p. A3

A Embaixada do Brasil nos Estados Unidos concluiu mais um relatório de barreiras comerciais a bens e serviços brasileiros no mercado americano. O documento contém material não só para alimentar as críticas habituais ao protecionismo de Washington. Traz informação suficiente, além disso, para confirmar que boa parte dos obstáculos à expansão comercial brasileira é made in Brazil, mesmo, e não no exterior. As falhas brasileiras, naturalmente, não servem para desculpar nem as barreiras comerciais nem os subsídios americanos que distorcem a operação dos mercados. É sempre oportuno denunciar a facilidade com que as autoridades americanas, tanto do Executivo quanto do Congresso, atendem aos grupos de pressão interessados em evitar a concorrência de produtores de outros países.

No caso do Brasil, os prejuízos causados por essa política são particularmente graves, porque as barreiras afetam alguns dos setores mais competitivos da sua economia. Açúcar, etanol, têxteis e aço são exemplos de produções em que os brasileiros se mostram altamente competitivos, desde que possam atuar em condições normais de mercado.

Mas as condições para esses e muitos outros produtos estão longe da normalidade, nos Estados Unidos. O açúcar é um excelente exemplo. Antes da introdução de controles de importação, no começo dos anos 80, o Brasil chegou a embarcar 1,5 milhão de toneladas/ano para os Estados Unidos. A atual cota concedida ao Brasil equivale a cerca de 10% daquele volume, 152,7 mil toneladas. O aço tem sido objeto de repetidas ações protecionistas, em geral baseadas em argumentos já derrubados em processos na OMC.

Apesar das barreiras, no entanto, as exportações brasileiras para os Estados Unidos cresceram 134% entre 1995 e 2004, como assinala o relatório. Nesse período, as vendas brasileiras para todo o mundo aumentaram 107%. O valor exportado para a União Européia cresceu 91%.

Mesmo com o ostensivo protecionismo americano, o comércio do Brasil com a maior economia do mundo tem sido muito dinâmico. Em 2003 e em 2004, as vendas para os Estados Unidos cresceram 8,8% e 20,4%, enquanto as exportações totais do País tiveram aumentos de 21,1% e 32%. Mas essa diferença é atribuível, segundo o informe, a circunstâncias especiais, como a evolução do câmbio e também a elevação dos preços dos produtos básicos. Commodities são o principal grupo de produtos vendidos pelo Brasil à União Européia. Os Estados Unidos compraram, em 2004, 28,8% dos manufaturados vendidos pelo Brasil. O bloco europeu, apenas 18,7%.

Esses números evidenciam o grande equívoco da política seguida pelo atual governo que negligencia negociações que permitiriam acesso ao mercado americano. Autoridades negam essa atitude, mas não conseguem disfarçá-la e ainda tentam justificá-la, às vezes, com o esdrúxulo argumento de que as oportunidades de expansão comercial são menores nos grandes mercados tradicionais.

O relatório menciona, também, fatores que afetam a competitividade brasileira - componentes do famoso custo Brasil - e as desvantagens diante de países que dispõem de acordos com os Estados Unidos. É um documento precioso para reflexão e autocrítica.

O desempenho de alguns concorrentes, que vêm ocupando espaço cada vez maior no mercado americano, reforça o alerta. Alguns desses países, como a China e a Coréia, não têm acordos comerciais com os Estados Unidos e não se beneficiam de condições especiais de acesso. A Coréia do Sul acumulou, entre 1995 e 2004, um superávit de US$ 94 bilhões no comércio com os americanos. O excedente chinês, nesse período, chegou a US$ 805 bilhões. Países como esses dependem apenas de seu poder de competição. No caso da China, essa competitividade pode ser em parte ilegítima, se avaliada pelos padrões de comércio geralmente aceitos. Mas é um poder de fato e, de toda forma, os chineses seriam competidores temíveis mesmo que se guiassem estritamente pelas melhores normas internacionais. O avanço chinês é mais uma demonstração de que o governo brasileiro errou ao negligenciar a formação da Alca e errará sempre que menosprezar, nas ações internas ou externas, a concorrência estrangeira.