Título: Na arena do STF, governo agora joga como favorito
Autor: Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2005, Nacional, p. A5

BRASÍLIA - Se as famosas casas de jogos de Londres abrissem seus guichês quando uma ação envolvendo o Executivo chega ao Supremo Tribunal Federal (STF), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre seria favorito nas apostas. Em 2004 e neste ano, a administração petista levou quase todas, sobretudo aquelas causas em que o governo corria o risco de perder bilhões de reais em favor dos litigantes. Na semana passada, essa vantagem do governo ficou clara em dois julgamentos. Na quarta-feira, a maioria dos ministros do Supremo deu aval para que entre em funcionamento no País um órgão de controle externo do Judiciário, integrado por pessoas de fora do Poder e com a prerrogativa de punir juízes que, eventualmente, tenham cometido deslizes.

No dia seguinte, novamente a maioria dos integrantes do STF decidiu suspender temporariamente a tramitação de um pedido do procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, para que seja aberto um inquérito criminal contra o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles.

Fonteles quer investigar suspeita de envolvimento de Meirelles com crime eleitoral, de evasão de divisas e sonegação fiscal. O andamento do pedido ficará sobrestado até que o plenário defina se o presidente do BC é ou não ministro. O julgamento ainda não tem data marcada para ocorrer.

Uma das principais vitórias no STF ocorreu há oito meses no julgamento no qual 7 dos 11 ministros do Supremo concluíram que é constitucional cobrar a contribuição previdenciária dos servidores públicos inativos e dos pensionistas. Favorável ao governo, a decisão impediu uma perda de arrecadação de cerca de R$ 900 milhões por ano, conforme dados divulgados pela Advocacia-Geral da União (AGU), órgão encarregado de defender o governo federal nos tribunais.

Outra vitória importante do governo ocorreu em março, quando o STF concluiu que é constitucional a Lei do Petróleo. A maioria dos ministros do Supremo rejeitou a tentativa do governador do Paraná, Roberto Requião, e de sindicalistas de reestatizar a produção e a comercialização de petróleo no País. Com a ação, o grupo pretendia que as empresas se tornassem apenas prestadoras de serviços da União, fazendo a pesquisa e a exploração e entregando o óleo ao governo.

Também em março, Lula escapou do risco de ter de explicar na Justiça declaração dada no mês anterior, segundo a qual teria omitido supostos atos de corrupção em privatizações realizadas no governo Fernando Henrique Cardoso. O ministro do STF Sepúlveda Pertence determinou o arquivamento de um pedido do PSDB para que Lula esclarecesse discurso no qual fez referências a eventual processo de corrupção na administração anterior. Para rejeitar o pedido, Pertence concluiu que o PSDB não foi ofendido pelo discurso de Lula e o partido não tem legitimidade para questionar a suposta difamação casualmente endereçada a seus filiados.

Nos julgamentos plenários, geralmente há uma participação ativa do presidente do STF, Nelson Jobim, que é apontado como provável candidato a vice de Lula na eleição do próximo ano e circula com desenvoltura nos meios políticos. No dia 7, Jobim viajou no avião presidencial para participar do enterro do papa João Paulo II. Na terça-feira, quando completou 59 anos, o presidente do Supremo abriu as portas de seu gabinete, localizado na Praça dos Três Poderes, para receber colegas de trabalho e políticos, dentre os quais ministros e parlamentares. Na quinta-feira, Jobim atendeu o ministro da Previdência Social, Romero Jucá, suspeito de envolvimento com irregularidades que poderão ser apuradas a pedido de Cláudio Fonteles.

Além dos votos e das intervenções favoráveis de Jobim nos julgamentos, o governo freqüentemente conta com os votos dos quatro ministros do Supremo indicados por Lula e do decano do tribunal, Sepúlveda Pertence, que, na eleição de 1998, foi cotado para ser o candidato a vice na chapa encabeçada pelo atual presidente da República.

Com seis votos, o governo garante em qualquer julgamento a maioria e vence as disputas no STF. Esse cenário já favorável poderá se tornar melhor ainda para o Executivo em janeiro do próximo ano, quando o ministro do STF Carlos Velloso completa 70 anos e terá de se aposentar compulsoriamente. Como conseqüência da aposentadoria, Lula terá a chance de indicar pela quinta vez um ministro para o STF. Há um debate no Congresso para aumentar a idade da compulsória para 75 anos. No entanto, as discussões ainda estão muito "cruas".