Título: Das éticas
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2005, Nacional, p. A6

A propósito dos comentários sobre a inadequação da defesa do ministro José Dirceu a respeito da nomeação de sua mulher para cargo de confiança no governo federal, o senhor Ralph Machado, assessor da Casa Civil, envia "esclarecimento".

São dois documentos da Comissão de Ética Pública da Administração Federal atestando a "inexistência de óbices de natureza ética para a requisição de Maria Rita Garcia de Andrade, mulher do ministro José Dirceu e funcionária do governo do Estado de São Paulo desde 1976, pela Escola Nacional de Administração Pública, com base na Lei 8.112/90, que trata do aproveitamento de servidor público cujo cônjuge passou a exercer função em outra localidade".

Com base nesse quesito legal, o ministro da Casa Civil considera que não pode ser enquadrado entre os adeptos da prática do nepotismo.

De duas, uma: ou o ministro não entendeu mesmo o espírito do debate em curso ou faz de conta que não entendeu. No caso, não se trata de mero "deslocamento de servidor para acompanhar o cônjuge", como diz a lei.

A menos que na Fundação Faria Lima, em São Paulo, a servidora Maria Rita Garcia de Andrade tivesse a mesma condição profissional e salarial que a adquirida em 2003 como assessora da presidência da Enap e mulher do ministro da Casa Civil que em tudo manda e tudo vê, é evidente o favorecimento pela via do parentesco.

A legalidade é uma das balizas do serviço público. Os outros dois são moralidade e impessoalidade.

Osvaldo Neri, juiz de direito em Minas Gerais, escreve no mesmo dia sobre o assunto, aborda a necessidade de observância à "legalidade extrema" - a correspondência entre o cargo de origem e o posto de destino - e aponta um aspecto crucial: "O vínculo de subordinação fica comprometido em relação à cobrança de responsabilidades de alguém cujo cônjuge ocupa alto cargo na administração federal."

O que o juiz Osvaldo Neri quer dizer é o seguinte: se por algum motivo a mulher do ministro não cumprisse as exigências de suas funções, quem a demitiria?

Da mesma forma, ele pergunta, "quem vai demitir o filho do Severino Cavalcanti se ele resolver simplesmente não trabalhar?" Ninguém, e aí está a questão essencial que transcende o terreno da legalidade e é atinente ao campo da moralidade, "faça o que fizer o indicado, nada lhe acontecerá".

Portanto, é sofisma usar de argumentos legais de ordem geral para justificar a nomeação de parentes para cargos de confiança porque essa condição dá a eles, na prática, uma situação especial e os diferencia dos demais funcionários.