Título: Crise ameaça casamento com PMDB
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2005, Nacional, p. A9

BRASÍLIA - Foi uma semana de cotoveladas e traições para o Planalto. Nervosos com a difícil situação do ministro da Previdência, Romero Jucá - acossado por uma avalanche de denúncias -, os governistas do PMDB exibiram suas armas: aproveitaram os últimos dias para escancarar insatisfações e mostrar que, daqui para a frente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de trabalhar duro para pacificar a base de sustentação no Congresso. Mais do que isso, o governo precisará de muito jogo de cintura política se quiser contornar a crise e atrair o PMDB unido para o seu palanque de reeleição, em 2006. Na quarta-feira à noite, um dia depois de ver derrotada a indicação do engenheiro José Fantine para o comando da Agência Nacional de Petróleo (ANP), o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, reuniu-se com o presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP). No tête-à-tête, falaram das inúmeras dificuldades da proposta de casamento do governo com o PMDB. Temer ouviu que Lula vai chamar os seis governadores do PMDB e o secretário de Governo do Rio, Anthony Garotinho (PMDB), com quem o Planalto vive às turras, para uma conversa.

"É importante: ele tem mais de 20 dos 86 votos da bancada na Câmara", disse Temer. O encontro do presidente do PMDB com Dirceu, no entanto, provocou muito ciúme do lado de lá. Motivo: os governistas do partido não se conformam com o fato de o grupo oposicionista, comandado por Temer, ter virado interlocutor de Dirceu. Além disso, acham que o tratamento dado pelo Planalto a suas reivindicações não condiz com a condição de parceiro preferencial.

"O PTB fez o guarda-roupa completo: nomeou duas vice-presidências da Caixa Econômica Federal, a presidência do Instituto de Resseguros do Brasil, uma diretoria da Itaipu, outra da Petroquisa e mais uma em Furnas, além dos Correios", afirmou um senador do PMDB que apóia Lula. "O PL conseguiu verba para o Ministério dos Transportes e nós perdemos cargos em empresas elétricas."

Na Eletronorte, por exemplo, a nomeação de Ademar Palocci - irmão do ministro da Fazenda, Antonio Palocci - para uma uma diretoria provocou a revolta do senador Valdir Raupp (PMDB-AP), que queria pôr um afilhado no cargo. Não foi só: o senador Alberto Silva (PMDB-PI) reclamou porque Edilson Uchôa, então presidente da Cepisa, distribuidora de energia do Piauí, foi despejado de lá para ceder a vaga a um petista.

Os aliados do PMDB também passaram a semana estressados com o caso Jucá. Em mais uma operação planejada para acalmar os ânimos e debelar outro foco de incêndio, Dirceu saiu duas vezes em defesa do ministro da Previdência. O presidente do PT, José Genoino, e o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), em dobradinha, tentaram conter a crise. Não adiantou.

CARGUINHOS

"O assassinato de Jucá tem pelo menos 20 interessados", queixou-se o líder do PMDB no Senado, Ney Suassuna (PB). "Da nossa parte, ninguém quer manter ministro bichado nem boquinha", provocou o deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), do grupo oposicionista. "Com a gente, o presidente Lula não precisa ter medo de chantagem nem dar uns carguinhos para que tudo se acalme."

No meio da confusão, alguns peemedebistas chegaram a acusar Dirceu de operar nos bastidores para pôr Temer na liderança do partido na Câmara, destituindo o deputado José Borba (PR), aliado do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). "Absolutamente. Isso não existe", reagiu o presidente do PMDB.

De qualquer forma, Suassuna foi um dos que lavaram as mãos quando soube que o nome do governo para a Agência Nacional de Petróleo seria vetado na Comissão de Infra-Estrutura do Senado. Na tarde da terça-feira, uma secretária entrou em seu gabinete logo depois da derrota do governo.

"Líder, o doutor Fantine foi recusado", informou ela. "Ô coitado", respondeu Suassuna. "É um homem tão bom..." Dirceu não se deu por vencido: disse que o governo insistirá em apresentar a indicação de Fantine no plenário. "Nós vamos colaborar com a aprovação para a ANP. Dá para corrigir isso", garantiu Renan.

Na sexta-feira, o presidente do Senado levou para o seu gabinete um carrinho de mão carregado com mais de 100 quilos de projetos de lei que aguardam votação na Casa. Fez isso para demonstrar como o excesso de Medidas Provisórias enviadas pelo governo atrapalha a vida do cidadão comum. O momento escolhido não poderia ser mais propício.

Mesmo assim, Renan negou a ligação entre seu protesto e a crise no relacionamento do governo com o PMDB. "Não podemos reduzir a complexidade desse problema a isso. Estamos fazendo um esforço para contornar a paralisia porque o excesso de medidas provisórias acaba grilando a competência administrativa do Senado", concluiu.