Título: 'Renúncia não faz parte do meu vocabulário'
Autor: Vasconcelo Quadros
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2005, Nacional, p. A10

BRASÍLIA - Os trabalhadores aposentados por invalidez que estão de novo no mercado de trabalho, numa empresa ou no serviço público, vão perder o benefício. "Na aposentadoria por invalidez, o cidadão não pode voltar a trabalhar sob pena de ter suspenso o pagamento do benefício. É o que determina a lei", diz o ministro da Previdência Social, Romero Jucá. Detectar e coibir essas irregularidades e outras como o excessivo aumento na concessão do auxílio-doença é a tarefa sobre a qual Jucá está se debruçando nos últimos dias. Aparentemente alheio às acusações que pesam sobre sua cabeça, Jucá se diz tranqüilo e satisfeito com o apoio que vem recebendo do governo e do presidente. "Ele (Lula) tem me dado todas as condições de trabalho".

O ministro garantiu que vai cumprir as promessas feitas na posse, de redução do déficit e melhoria do atendimento da Previdência. Jucá disse que, apesar de ter virado alvo, não se arrependeu de ter aceitado o convite de Lula e avisa aos adversários que não vai renunciar ao cargo. "Essa palavra não faz parte do meu vocabulário." A seguir os principais trechos da entrevista.

O senhor estava tranqüilo no Senado, veio para cá a convite do presidente e está em meio a esse tiroteio todo. Já se arrependeu de ter trocado o Senado pelo ministério?

Não me arrependi. Na ação parlamentar que eu fazia exerci um papel importante, mas agora estou vivendo um outro momento, de um novo desafio.

Esse desafio compensa todo o desgaste pessoal e político?

Sim. Não posso pautar minha vida e minha ação por conta da postura moral dos meus adversários. Estou disposto a enfrentar desafios e a correr riscos para fazer aquilo em que acredito.

Como o senhor acredita que vai conseguir ser um bom ministro estando com os holofotes voltados para as denúncias?

Vou ser um bom ministro no momento em que começar a encaminhar soluções - coisa que já estou fazendo - para os grandes e graves problemas da Previdência. Os resultados vão começar a aparecer daqui a pouco e logo a população vai perceber que algo mudou.

Mas o foco no momento é o escândalo e não o seu trabalho.

É verdade, mas isso é num primeiro momento. Enquanto os holofotes estão em cima dos ataques estou tendo tempo para estudar uma série de medidas que já estão sendo colocadas em prática. Prometo a vocês que até o final do ano a Previdência será outra. Tenho um compromisso, uma meta, um objetivo. Os ataques não me tiram do rumo.

O sr. acha que o governo tem estrutura política para suportar esse bombardeio?

Para o governo, a questão fundamental é de imagem da Previdência. O governo e o presidente Lula têm reiterado apoio e solidariedade, assim como o meu partido, o PMDB. Quem me conhece sabe que esses ataques são antigos, já foram usados em outras campanhas políticas. Tudo não passa de um jogo sujo e mentiroso.

Mas o caso das fazendas fantasmas não tinha vindo a público antes.

É verdade. Nem eu sabia que poderia haver essa dúvida da fazenda ser ou não fantasma porque não ofereci nenhuma fazenda ao Basa (Banco da Amazônia). Foram os sócios que assumiram a empresa que deram as garantias e, se o Basa as aceitou, deveria ter vistoriado os imóveis. Não entendo como um banco, ao receber garantias, não faça nenhum tipo de averiguação.

Em algum momento o sr. pensou em renunciar?

Nunca. Renunciar é uma palavra que não existe no meu vocabulário porque seria reconhecer que fiz alguma coisa de errado, e não fiz.

Mesmo no meio do tiroteio está dando para trabalhar?

Está dando para trabalhar e muito. Estamos aqui turbinados, debruçados sobre mudanças de procedimentos, descobrindo gargalos e ralos por onde escoam os recursos públicos. Vamos adotar providências para consertar muita coisa.

Como a Previdência enfrentará as irregularidades no pagamento de benefícios?

Determinei esse mês que se faça o cruzamento do cadastro de aposentados por invalidez com o cadastro de pagamentos das empresas para seus empregados para detectar os aposentados por invalidez que estão de novo trabalhando, recebendo salário e contribuindo para a Previdência Social. A lei determina que a aposentadoria por invalidez seja suspensa caso o cidadão volte a trabalhar e é isso o que nós vamos fazer.

A questão do auxílio-doença não é mais grave?

É grave também e nós vamos entrar forte nessa questão. Não tem sentido o Brasil gastar mais de auxílio-doença no ano do que todos os investimentos feitos pelo setor público no País. Nós precisaríamos estar vivendo uma calamidade, e a situação não é essa. E se formos analisar os números vamos ver coisas muito discrepantes. Por exemplo, dois terços dos benefícios de auxílio-doença nos últimos três anos foram concedidos aos comerciários e não há epidemia no comércio. Vamos investigar isso, apertar a perícia médica e modificar a legislação para coibir abusos.

Na posse, o sr. prometeu reduzir o déficit pela metade, mas não anunciou o que colocará em prática para conseguir isso. O que vai efetivamente ser feito?

A redução do déficit não será obtida com uma única medida. Depende de uma série de ações que já estão em andamento, como o monitoramento dos grandes devedores. Também estamos construindo a informatização dos cartórios para que eles consigam nos informar com precisão os óbitos. A obrigatoriedade dessa informação à Previdência existe, mas, na prática, ela não acontece e o INSS fica pagando durante meses benefícios indevidamente porque o segurado já faleceu.

Como o sr. pensa em conciliar o combate ao déficit com a melhoria do atendimento?

Por incrível que pareça uma coisa alimenta a outra. O governo gasta muito porque a estrutura é ineficiente e atende mal o cidadão. Jogamos bilhões fora para atender mal. Temos de gastar menos e atender melhor e há como fazer isso. Esse é o desafio.

Especialistas dizem que o sr. não anunciou nada de novo e que as propostas já estavam em estudo há muito tempo. Como avalia essa crítica?

O segredo é saber fazer as coisas. Não é só ter idéia. O que difere um administrador do outro não é a possibilidade de ter idéias é a capacidade de realizar, de transformar em realidade as idéias dele e de outros. Nós vamos colocar para funcionar. Essa é a diferença.

É possível acabar com o déficit?

Nosso esforço não é para acabar com o déficit, é para colocá-lo em patamares aceitáveis. O sistema previdenciário pressupõe um cálculo atuarial, mas a Constituição de 1988 agregou ao modelo despesas para as quais praticamente não existem contribuições. É o caso dos rurais, por exemplo. Defendo e acho correto o gasto que se tem com as aposentadorias do setor rural, mas acho equivocada a forma de contabilizar isso. É um dispêndio da seguridade social, mas deveria estar contabilizado num espaço diferente do da Previdência.

Que diferença isso faria?

Mudaria a leitura, inclusive internacional. O fato de contabilizar essa ação quase totalmente social dentro da Previdência cria um impacto ruim para o próprio País, porque passa uma visão equivocada dos fundamentos macroeconômicos.