Título: Sem autorização judicial, gravação que envolve Jucá vira arma de defesa
Autor: Vasconcelo Quadros
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2005, Nacional, p. A10

BRASÍLIA - O uso de uma gravação telefônica sem autorização judicial no inquérito que apura a citação do nome do ministro da Previdência, Romero Jucá, em conversa sobre cobrança de propina com recursos federais para a prefeitura de Cantá (RR) deverá se transformar em polêmica jurídica. O ministro, o ex-prefeito Paulo de Souza Peixoto, conhecido como Cão Pelado, um empreiteiro e pelo menos outras quatro pessoas envolvidas no caso correm o risco de ser indiciados por peculato num inquérito que vem sendo tocado pela Polícia Federal e que foi avocado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por envolver o nome de Jucá. Laudos e documentos sobre a liberação e a real aplicação dos recursos federais rastreados pela Polícia Federal apontam indícios fortes para o enquadramento do prefeito e seus auxiliares no desvio. Em relação ao suposto envolvimento do ministro, no entanto, o indício mais forte é um laudo pericial sobre a transcrição da fita cassete em que a propina é discutida. Os interlocutores citam várias vezes "os dez por cento" que seriam destinados ao senador, mas o nome de Jucá só surge de longe, numa voz de fundo, pela boca de Cão Pelado. "É 20 por cento naquele negócio do Jucá, é?", pergunta o ex-prefeito ao suposto articulador da propina.

Degravada, a conversa se transformou num laudo pericial que serviu de trilha para a investigação e está anexado ao inquérito que hoje tramita em sigilo no STF, sob a responsabilidade do ministro Marco Aurélio Melo. Na PF, a tendência é que Jucá também seja indiciado, independentemente do entendimento jurídico que o procurador-geral Cláudio Fonteles ou o ministro Marco Aurélio venham a ter em relação à instauração da ação penal.

"Se a gravação não teve autorização judicial, a prova é ilícita. É um nada jurídico. É uma questão de respeito ao processo legal. Uma escuta lida com a vida privada e o direito individual das pessoas", diz o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakai, que defende o ministro Romero Jucá em outro caso, o do empréstimo da Frangonorte no Banco da Amazônia S.A (Basa). Uma fonte da Polícia Federal ouvida pelo Estado acha que o caso pode levantar a mesma polêmica jurídica que resultou na absolvição, pelo STF, do ex-presidente Fernando Collor no processo que julgou seu ex-caixa de campanha, Paulo César Farias, o PC.

Collor acabou absolvido no processo porque a apreensão dos computadores, num dos escritórios de PC Farias, não tinha autorização judicial. O restante das provas foi inutilizado porque estava contaminado. O ex-caixa, assassinado em 1996 pela namorada Suzana Marcolino, acabou condenado em outros inquéritos. Aos policiais que investigaram Collor, restou apenas a interpretação de que o ex-presidente foi absolvido porque já havia sido punido pela cassação.

Kakai lembra já ter obtido várias vitórias na Justiça ao derrubar investigações iniciadas com provas consideradas ilícitas. No caso de Jucá, caso venha mesmo a ser indiciado, a PF aposta que a nova composição do STF pode ter uma interpretação jurídica diferente.