Título: O dia que definiu a noção de 3.º Mundo
Autor: Gilles Lapouge
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2005, Internacional, p. A16

PARIS - Há 50 anos, entre 18 e 23 de abril de 1955, uma cidade da Indonésia, Bandung, tornou-se célebre repentinamente. Desconhecida até aquele momento, mesmo sendo uma aglomeração de proporções consideráveis - hoje, tem 3 milhões de habitantes -, o nome de Bandung correu o mundo. Os negros cortadores de cana da África, os chineses em seus arrozais, os indianos e seus famintos, os etíopes e seu atraso, todos esses povos que são chamados de Terceiro Mundo, repetiam essa palavra, Bandung, como se dissessem "esperança". Nos outros continentes, na Europa, por exemplo, o mesmo nome era pronunciado com apreensão. Não seria o começo de uma vasta revolta, ao redor do planeta, de povos há tanto tempo oprimidos e desprezados - amarelos e negros contra brancos? A qualidade dos chefes de Estado que decidiram fazer essa reunião de 29 países teria que impressionar, todos homens de grande estatura, freqüentemente emergindo das sombras em favor das lutas nacionais contra o colonialismo branco: Nehru (Índia), Chu En-lai (China), Sukarno (Indonésia), Nkrumah (Gana), Nasser (Egito) e Ho Chi-min (Indochina), entre outros. Em resumo, três quartos de humanidade, o planeta dos pobres, dos humilhados e ofendidos (os 50 anos da conferência serão comemorados esta semana na Indonésia, ler abaixo).

Os jornais ocidentais não tiveram tanta certeza. Eles viram hordas de todas as cores invadindo o paraíso branco. No jornal Le Monde, Robert Guillain escreveu: "Essa festa em cinza, amarelo e negro, onde os rostos brancos estão ausentes, é mesmo um acontecimento de nossa época."

Para ele, Bandung não foi um complô antibranco. Apesar do papel do egípcio Nasser, que nacionalizaria o Canal de Suez em 1956, e Chu En-lai, o sutil braço direito de Mao Tsé-tung, foi o indiano Nehru que dominou os debates. E as resoluções finais foram doces, impregnadas do moralismo do indiano Gandhi, o apóstolo da não-violência assassinado por um fanático brâmane sete anos antes.

Dez princípios de coexistência foram enunciados. Todos estavam mais preocupados em concordar que em brigar. Diz-se que a vontade resolve todos os conflitos pela negociação - apelo à cooperação internacional, reconhecimento da igualdade de todas as raças e não-ingerência nos negócios de outros países, não-uso da força, respeito aos direitos humanos - parecia uma moção da ONU. E o princípio da coexistência pacífica entre as diferentes partes do mundo, divididas entre as influências soviética e ocidental, surgiu com força.

A conferência não foi, portanto, essa máquina de guerra contra os brancos. Se suas conclusões pecam, é mais por uma certa ingenuidade. Sobre dois pontos, no entanto, Bandung continua a atemorizar os continentes dominantes. Por um lado, condena o colonialismo. Por outro, marca o fim do complexo de inferioridade dos "povos de cor" como também dos "povos pobres" deixados à margem do progresso. É nesse setor que Bandung deixará a herança mais evidente: a expressão Terceiro Mundo é uma criação dessa época.

Portanto, nada de atritos, nada dessa guerra de mundos, que os ocidentais criaram. Pode-se, então, considerar que Bandung foi um sucesso? O catálogo de boas resoluções assinadas em Bandung se tornaria rapidamente uma papelada, neutralizada pelas mesmas pessoas que a assinaram. Entre os 29 países presentes em Bandung estavam a Arábia Saudita (a sharia, o egoísmo econômico mais feroz), a Birmânia (hoje, uma ditadura obscena), o Camboja (onde o Khmer Vermelho, 20 anos mais tarde, assassinaria o próprio povo), a China (que invadiu o Tibete, acabou com os opositores, silenciou 1 bilhão de pessoas), a Indonésia (capital da corrupção), a Líbia (pioneira em terrorismo), o Irã (que cairia na sharia e no ódio com o imã Khomeini), o Nepal muçulmano (que briga com sua vizinha, a Índia hinduísta), a Síria (que pôs suas mãos sangrentas sobre o seu vizinho Líbano), e assim por diante. Decididamente, se Bandung não justificava o temor dos brancos, também não anunciou o paraíso para os afro-asiáticos.

Em apenas um campo Bandung teve efeitos. Foi na luta contra essa fraqueza que era o colonialismo. Bandung galvanizou a energia das lutas independentistas, deu aos povos esse orgulho que reuniu sua coragem e sua energia. Toda a África negra conquistou independência depois de 1958. A África inglesa, no começo dos anos 60. O Congo conquistou (em circunstâncias atrozes) sua liberdade em 1960. A Argélia se libertou em 1962, depois de uma guerra cruel contra a França.