Título: 'Invasão dos EUA' mobiliza vigilantes
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2005, Internacional, p. A18

TOMBSTONE, ARIZONA - Bill Crawford, de 74 anos, veio do Estado de Washington para ajudar a conter o que chama de "uma invasão do país". Os milhões de invasores - imigrantes ilegais do México, em sua maioria, mas também de países tão distantes quanto o Brasil e a China - "estão trazendo doenças que já tinham sido erradicadas na América, como a tuberculose e a lepra". "Eles recebem assistência médica e ajuda de emergência paga com dinheiro público, dos nossos impostos, que está vez mais escasso para os programas que deveriam atender os americanos."

Em sua camiseta, que ele mesmo desenhou e vende, Bill apresenta-se como um "patrulheiro da fronteira indocumentado". Desde terça-feira, ele ajuda a vigiar um trecho de 40 quilômetros da divisa entre os dois países, entre as cidades de Naco e Douglas, marcada em muitos trechos apenas por uma cerca de arame farpado.

A preocupação mais imediata de Christopher Lambert, de 26 anos, e de seu irmão Michael, de 24, é com a possibilidade de terroristas da Al-Qaeda usarem as mesmas rotas dos imigrantes para ganhar acesso ao território americano. Ele vieram de Tucson, a uma hora e meia de automóvel. "Se mexicanos pobres, muitas vezes doentes e com fome, conseguem atravessar, não deve ser difícil para um grupo de terroristas bem treinados fazer a mesma coisa", disse ele.

"Eu não tenho nada contra os mexicanos e até conheço alguns, mas não aceito que eles entrem e fiquem ilegalmente no país", explicou Christopher, ao cair da tarde de quinta-feira, enquanto apontava os poderosos binóculos de visão noturna na direção das encostas das montanhas Huachuca, um dos caminhos mais usados pelos imigrantes para entrar nos EUA ao longo da Rodovia 92, que margeia a fronteira no leste do Estado de Arizona. "Eles vivem num regime de servidão, são explorados por grandes empresas que pagam muito abaixo do mercado e estão achatando os salários aqui no Arizona e outras parte do país", disse Christopher, um engenheiro elétrico. A pistola na cintura era para autoproteção contra os traficantes de drogas e de pessoas, esclareceu ele, "e não para ser usada contra os imigrantes".

John Petrello, um eletricista de 27 anos, cuja casa fica a menos de 3 quilômetros da fronteira, acha que a abundância de mão-de-obra barata o forçou a diminuir seu preço de mais de US$ 20 por hora cinco anos atrás para US$ 8 hoje. "Mas o pior é que vivemos com medo dos traficantes e dos coiotes e cercado de lixo por todos os lados", disse ele, mostrando os restos de roupas, mochilas, artigos de higiene pessoal e garrafas plásticas que os imigrantes deixam em seu terreno e nos de seus vizinhos.

Para Paul Johnson, ex-motorista de equipamentos pesados, de 60 anos, atualmente desempregado, "era preciso fazer alguma coisa, porque o governo não faz nada, os crimes cometidos por imigrantes estão aumentando em todo o país, há uma insegurança muito grande e eles são parte de um sistema ilegal que está destruindo o país."

Johnson chegou do Estado de Nova York no início de abril para assumir seu posto de patrulheiro voluntário da fronteira e pretende ficar até o fim do mês.

A exemplo dos irmãos Lambert, de Crawford e de Petrello, Johnson é voluntário do Projeto Minuteman, um movimento de inspiração nebulosa que propõe uma solução simples e drástica para estancar a maré humana estimada em 4 milhões de imigrantes que tentam cruzar ilegalmente os 3.200 quilômetros da linha divisória entre os EUA e o México: o fechamento hermético da fronteira. No ano passado, 1,1 milhão deles foram presos, 51% dos quais no Estado de Arizona. O nome do projeto vem das milícias que demoravam apenas um minuto para se apresentar à luta contra os ingleses, na Guerra de Independência dos EUA, no século 18. O presidente George W. Bush, que aprendeu, como governador do Texas, a complexidade da fronteira, classificou os voluntários de "vigilantes". Seu colega mexicano, Vicente Fox, disse que eles são "caçadores de mexicanos" e colocou 2 mil soldados para reforçar a fronteira.

Na sexta-feira, quando o projeto completou os primeiros 15 dias, Chris Simcox, um articulado ex-professor de escola secundária da Califórnia, de 44 anos, um dos fundadores e líder principal, comemorou o sucesso da operação e anunciou planos para expandi-lo ao Texas, Novo México e Califórnia, os três outros Estados americanos que fazem fronteira com o México.

"Atraímos a atenção da mídia e conseguimos demonstrar que cidadãos equipados com cadeiras de praia, binóculos, celulares e rádio são capazes de fazer o que o governo diz ser impossível", disse Simcox, falando durante uma reunião diária de instruções a cerca de 40 voluntários (há até um sueco), a maioria com mais de 50 anos, num estacionamento da estrada 92, em Palominas.

"Os olhos do mundo estão sobre nós e peço a todos que continuem em seus postos e sigam os procedimentos: vocês não devem ter contato com os imigrantes, mas apenas detectar sua presença e reportar à Patrulha de Fronteira, que fará seu trabalho de prendê-los."

Os números da Patrulha da Fronteira atestam o impacto dos minutemen. Na primeira quinzena do mês, as apreensões de imigrantes no trecho coberto pelo projeto não chegou a 6 mil, ou menos da metade do numero dos indocumentados presos em igual período no ano passado. Praticamente todas ocorreram durante a noite, que é quando os imigrantes atravessam.

Segundo o agente Jose Maheda, porta-voz da Patrulha, em Naco, os 317 alertas recebidos este mês levaram à detenção de 846 imigrantes. Mas ele evitou dar crédito aos voluntários de Simcox. "Nossa posição é que eles estão dificultando nosso trabalho, em lugar de ajudar", disse Maheda. "Sem saber, estão acionando sensores de alerta ao tentar localizar os imigrantes. É difícil avaliar o significado dos números, pois os imigrantes podem ter decidido simplesmente esperar algumas semanas ou se deslocaram para outros pontos vulneráveis da fronteira."

Mesmo críticos do projeto, como o reverendo Thomas J. Buechele, da igreja anglicana em Bisbee, reconhecem que Simcox conseguiu um êxito de mídia e pode ter criado um fato político. "É inegável que ele expôs o fracasso da política de imigração do país", disse Buechele, que está há dez anos em Bisbee. Ele não duvida das boas intenções dos voluntários, mas aconselha a não se superestimar o fenômeno. "Nós que vivemos na fronteira, já vimos vários movimentos como esse. Embora os minutemen sejam cuidadosos, nós identificamos no projeto os mesmos elementos supremacistas, neonazistas e racistas e uma proposta que é essencialmente reacionária e não tem futuro."

Segundo ele, o efeito não será duradouro "porque o que eles propõem - o fechamento da fronteira - é impraticável: os EUA precisam dos imigrantes e a única solução é uma reforma abrangente da política de imigração, que regularize a entrada dos imigrantes com base em emprego".