Título: Fábrica não toma empréstimos, paga adiantado e investe em bois
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2005, Economia, p. B4

SIQUEIRA CAMPOS, PR - Na ante-sala, uma secretária datilografa em uma velha máquina elétrica. Na sala do diretor financeiro, Leodir Bonilha, 50 anos, não há computador. "Tudo que eu preciso é da minha máquina de calcular", ele diz, e resume a sua filosofia de gestão: "A gente não paga à vista, a gente paga adiantado." Leodir é o responsável pelas finanças do grupo Bonilha, dono da Tork, a maior empresa da autopeças para motocicletas do Brasil, com planos avançados de montar uma moto nacional, e já fabricando um modelo infantil de 50 cilindradas, três marchas e quatro tempos. Ele define a estratégia financeira do grupo: nenhum empréstimo, 100% dos investimentos com capital próprio e aplicação das sobras de caixa em matérias-primas e estoque. E, se ainda assim, houver caixa sobrando? "A gente compra boi", ele replica.

A simplicidade operacional de Leodir contrasta com o chão de fábrica dos 18 mil metros quadrados de área coberta da planta da Tork em Siqueira Campos. Lá, galpão após galpão, o que se vê são máquinas computadorizadas de última geração, algumas importadas, ao preço de centenas de milhares de reais cada uma, operadas por técnicos e operários sob o olhar vigilante de Flávio Roberto Bonilha, o Beto, 29 anos, ex-piloto profissional de motocross, ainda no circuito como amador.

A Tork é uma das empresas que atraem pessoas de fora para Siqueira Campos, e contribuiu para reverter a queda populacional da cidade. Este poder de atração pode incluir tanto o especialista em mecânica industrial Luiz Cesar Honorato de Almeida, 27 anos, com um salário de R$ 3 mil, que veio de Curitiba, quanto o soldador Walter Batista, 35 anos, vindo de Santo Antônio da Platina, um município próximo.

O cérebro empresarial do Grupo Bonilha, segundo fontes locais, é o irmão do meio, Altair, 49 anos. Retraído e desconfiado, ele faz jus às origens mineiras da família e da própria cidade - o nome de Siqueira Campos até a década de 20 era Colônia Mineira.

Os irmãos Bonilha iniciaram sua saga empresarial com uma oficina mecânica em Curitiba, no início dos anos 70, quando Beto nem era nascido. Na própria capital paranaense, o negócio evoluiu para uma fábrica de escapamentos. Em 1993, motivados pelas suas raízes em Siqueira Campos e pela política de doações de terrenos e outros benefícios por parte da prefeitura da cidade para atrair investimentos, os Bonilha voltaram de Curitiba. Montaram uma nova fábrica em Siqueira Campos, e o negócio explodiu.

Dos cerca de 50 a 60 itens produzidos em Curitiba, eles saltaram para quase 1,9 mil, entre componentes e acessórios, sendo que os principais são os escapamentos, retrovisores, tampas de combustível, piscas, baterias e capacetes. As vendas já estão em quase 10 milhões de peças por ano. Há cerca de 6 meses, eles deram partida à fábrica separada de capacetes, que até o final deste ano deve atingir a produção de 50 mil unidades por mês. O próximo passo é a fábrica separada de baterias de moto. Neste momento, os trabalhos de terraplenagem da nova unidade - tanto a de capacetes quanto a de baterias ficam em terrenos adquiridos pelo próprio grupo - são acompanhados de perto por Altair.

O próximo passo da Tork, que patrocina o piloto Paulo Stedile, bicampeão brasileiro de motocross, é montar uma moto nacional, para competições off-road, na faixa de 200 a 250 cilindradas, e com um motor importado da Ásia. A idéia é entrar no vácuo deixado pelo fim da produção no País da DT-200 com motor dois tempos pela Yamaha. "Há falta de uma moto própria para o off-road", diz Beto.

Os Bonilha também têm lojas de material de construção, fazendas e entraram no ramo da construção civil, erigindo o único edifício de Siqueira Campos, mas com a idéia de fazer outros. O prédio, uma inovação de gosto fortemente duvidoso em uma pacata cidade de casas, onde o ponto mais alto era a torre da bonita igreja matriz, tem estampado no alto o símbolo do grupo.

O sucesso capitalista dos Bonilha, como seria de esperar, também provoca tensões em Siqueira Campos. Nesta semana, a Câmara de Vereadores foi palco de um exaltado conflito político, quando cinco dos nove vereadores resolveram contestar uma das doações de terrenos municipais para o grupo Bonilha. O conflito incluiu uma passeata a favor dos irmãos, e um boicote de lojas e indústrias à rádio de oposição.

Na noite de terça-feira, enquanto bebiam uma cerveja gelada no restaurante de um dos dois postos de gasolina na PR-092, no trecho próximo ao trevo de Siqueira Campos, Leodir e a namorada tiveram um momento de tensão, quando o grupo de vereadores rebeldes ocupou uma mesa próxima. Mas logo Eroni Antonio Mistura, o'Gaúcho', dono do estabelecimento, tranqüilizou os ânimos, e disse a Leodir para não se preocupar, porque ele já havia avisado aos vereadores que no seu posto não admitia confusão.