Título: Ramal da fome vive milagre industrial
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2005, Economia, p. B4

SIQUEIRA CAMPOS, PR - O piloto de motocross Flávio Roberto Bonilha, o Beto, de 29 anos, almoça na churrascaria do posto de gasolina à beira da estrada. De jeans e camiseta vermelha, nada o distingue dos outros clientes, moradores da cidade de Siqueira Campos, no Paraná, e caminhoneiros de passagem. De noite, Beto será visto nas mesas ao ar livre do restaurante e bar do outro posto de gasolina daquele trecho da rodovia PR 092 tomando um suco, enquanto seu irmão Leodir, 50 anos, bebe uma cerveja. No final da tarde, Leodir e o terceiro irmão, Altair, 49 anos, batem papo animadamente com os clientes habituais de uma das padarias de Siqueira Campos. Na maior parte do dia, porém, os irmãos Bonilha trabalham duro, comandando a Tork, a maior indústria de peças e acessórios para motocicletas do Brasil, fabricante de quase 1.900 itens diferentes, e produzindo 9,6 milhões de unidades por ano, com 700 funcionários. O faturamento eles não dizem, mas segundo uma conceituada fonte da cidade, a receita líquida atinge R$ 500 mil mensais.

Na aparência simples, nas roupas e no modo de falar e de se comportar, nada diferencia os Bonilha do cidadão comum nas ruas da cidade interiorana de 20 mil habitantes. Mas há sinais exteriores de riqueza, como o único prédio de Siqueira Campos, que construíram no centro da cidade, ou a parruda picape Dodge Ram Heavy Duty pilotada por Altair, um importado que não sai por menos de R$ 150 mil.

Os irmãos Bonilha e a Tork são, talvez, o exemplo mais impressionante do boom industrial de Siqueira Campos, cidade do norte do Paraná administrada desde 1989 pelo mesmo grupo, que pôs em prática uma política ultra-agressiva de atração de investimentos. A cidade fica numa região relativamente pobre do Paraná, no chamado 'ramal da fome', perto da divisa com São Paulo, com raízes cafeeiras e economia agrícola, onde estão alguns dos municípios de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado.

Com a industrialização recente, Siqueira Campos exibe hoje impressionantes sinais de prosperidade, entre os quais uma das mais chamativas é a gratuidade do sistema municipal de transporte por ônibus. A cidade, que chegou a ter mais de 20 mil habitantes há algumas décadas, caiu para 13 mil no auge da crise do café, mas voltou a crescer: no Censo de 2000, registrou 17 mil, e as autoridades municipais estimam que já tenha voltado a 20 mil, pelos números de matrículas escolares e de uso da rede pública de saúde.

Um dos principais cérebros da política industrial da cidade é o de Claudio Chomiski, um engenheiro de 44 anos que está na administração estadual desde 1989, primeiro na Secretaria de Planejamento e, depois, acumulando a de Indústria e Comércio. Para quem cultiva pruridos sobre a guerra fiscal, Siqueira Campos é um microcaso perturbador, como fica claro numa conversa, na indefectível churrascaria do posto de gasolina, com Chomiski e o ex-prefeito Dirceu Rodrigues, 58 anos. Rodrigues exerceu 3 mandatos (incluindo o inicial) dos 5 que o seu grupo político conquistou consecutivamente em variados partidos, do PTB ao PMDB, onde estão. O atual prefeito, Luiz Antonio Liechocki, foi vice de Rodrigues de 2001 a 2004.

Chomiski e Rodrigues não fazem o menor segredo das regalias conferidas a empresários dispostos a investir em Siqueira Campos: cessão do uso de terrenos devidamente terraplenados e de um caro e sofisticado galpão industrial (ver página 5), diferimento de ICMS por 4 anos, isenção de IPTU e ISS por 10 anos, execução de obras complementares a empreendimentos, como um sistema de captação e tratamento de efluentes de água para uma lavanderia industrial de jeans etc. As cessões de imóveis são amarradas em contratos prevendo metas de emprego e outras exigências.

"A relação é na base de uma empresa sendo disputada por cem municípios", diz Rodrigues, principal mentor político da estratégia de atração de investimentos industriais para Siqueira Campos. Ele e Chomiski, que fez o projeto de construção civil de algumas das indústrias que ajudou a atrair, resumem a troca de interesses entre a Prefeitura e os empresários: a cidade dá o que pode e as empresas trazem empregos e arrecadação.

EMPREGOS

Os resultados dificultam a vida dos eventuais críticos da política industrial de Siqueira Campos, que existem e foram parte de um sério conflito político nesta semana (ver ao lado). O fato é que a cidade se industrializa num ritmo fulgurante, os empregos são criados e a arrecadação decola. Na área industrial, os empregos saltaram de 1,2 mil em 2000 para projetados 3,3 mil em 2005.

Siqueira Campos hoje abriga o Centro de Distribuição para todo o Brasil da Vanity Fair (VF), multinacional de vestuários americana com faturamento mundial de US$ 7 bilhões e detentora de marcas como Lee e Wrangler. O CD da VF, que distribui em média 130 mil peças por mês para todo o País (originando o ICMS em Siqueira Campos), mudou-se de Fortaleza para a cidade paranaense em 2003, a bordo de uma série de ágeis tacadas de oferta de vantagens empreendidas por Chomiski, incluindo a atração do fornecedor sorocabano Scozy. Há negociações para trazer os CDs da Fórum e Zoomp, e as Lojas Marisa já decidiram levar o seu.

O Grupo Bonilha, por sua vez, está a todo vapor, finalizando a instalação de uma fábrica de capacetes e preparando a construção de outra, para produzir baterias de motos. Na área têxtil, a cidade abriga mais empresas, como a Dernier Cri, de origem local. Outros segmentos industriais de Siqueira Campos são a cerâmica e as madeireiras.

A arrecadação da cidade está por volta de R$ 8 milhões por ano, dos quais R$ 3 milhões vêm do ICMS. Chomiski diz que 18,75% do ICMS recolhido no município retorna aos cofres da Prefeitura e é a parte da arrecadação que reage ao crescimento da atividade econômica.

Durante os 4 mandatos e meio do seu grupo político, o porcentual dos repasses de ICMS como proporção da receita total do município saltou de menos de 10% para 35%, chegando hoje a R$ 220 mil por mês. Como porcentual do total arrecadado pelo Paraná, o ICMS recolhido em Siqueira Campos mais do que triplicou naquele período, atestando o crescimento da atividade econômica a um ritmo muito superior à média do Estado.

O ex-prefeito Rodrigues, engenheiro agrônomo, foi responsável também pela introdução da avicultura integrada (minifúndios com produção de frangos exclusiva para grandes grupos, como a Seara) em Siqueira Campos, terraplenando áreas em pequenas propriedades rurais, melhorando o sistema de estradas e batendo diretamente na porta dos grandes grupos agroindustriais. Hoje, as 86 granjas, com 1,5 milhão de frangos abrigados, respondem por 60% do ICMS originados pelos 1,4 mil minifúndios da cidade.

Na área industrial, os pequenos também foram contemplados. Ao lado do Centro de Distribuição da Vanity Fair, numa área de 6,5 mil m2, o ex-pedreiro João Carlos de Oliveira, a esposa e os 3 filhos tocam a fábrica de postes Padroeira Aparecida. O terreno foi doado pela Prefeitura, com isenção de IPTU por 10 anos.