Título: Sobra emprego público. Falta capital privado
Autor: Angela Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2005, Economia, p. B5

ITACURUBA, PE - Apontada pelo IBGE como a campeã brasileira em número de servidores municipais - 20,9% da população trabalha na Prefeitura -, a pequena Itacuruba, localizada no sertão do São Francisco, a 481 quilômetros do Recife, busca um rumo, uma nova vocação econômica, que possa fazer as pessoas e a economia saírem do marasmo. Até 1988, a cidade se sustentava. A população trabalhava na agricultura, as terras produziam arroz, cebola, tomate e frutas. Tudo isso foi coberto pelas águas da barragem da Hidrelétrica de Itaparica - o lago quebrou a cadeia produtiva do município. Muitos habitantes foram para a nova cidade; outros, assentados em agrovilas de cidades vizinhas. E muita gente foi embora. A antiga Itacuruba tinha 17 mil habitantes; a nova, 3,8 mil pessoas.

A nova cidade completa 18 anos neste ano. Planejada, tem praças arborizadas, casas com água encanada. Mas não tem empresas, o comércio é fraco, não existem agências bancárias nem posto de gasolina. Até o solo ficou ruim - só a agricultura de subsistência resiste. De forma artesanal, alguns sobrevivem da pesca no lago.

Sem iniciativa empreendedora, as pessoas acostumaram-se a pedir. A Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), responsável pela construção da nova cidade, deu a elas uma Verba de Manutenção Temporária por 14 anos. A verba, cerca de dois salários mínimos, estimulou a acomodação. "Aqui o pessoal sobrevive, vegeta", avalia Josafá Lima, 28 anos. "Passaram muito tempo sem trabalhar e recebendo; quando isso acabou (em 2000) eles se viram sem condição financeira, sem trabalho, sem perspectiva e sem disposição nem criatividade para inventar novas formas de sobrevivência."

Josafá é técnico agrícola, na área de zootecnia. Fez o curso em Petrolina e há 5 anos voltou para Itacuruba. Quer participar da redenção da cidade. Se não der certo, vai embora. "Tenho minha formação e o mundo é grande", diz. A família dele foi para uma agrovila de bom solo, onde era possível trabalhar e plantar. "Muita gente que saiu criança da velha Itacuruba nunca viu os pais trabalharem", observa. "Aqui, se o pessoal arranja o que comer, já acha que está bom."

Josafá trabalha na Prefeitura, única alternativa de emprego e renda da população, que emprega 720 pessoas. Outras 300 são aposentadas e arrimo de família. Os demais são desempregados. Josafá ganha R$ 390,00 mensais para dar assessoria técnica a projetos de piscicultura que serão iniciados no lago da barragem.

O ócio é a causa de um grave problema social: a bebida. Silvio Romero Almeida dos Santos, 48 anos, um dos 40 funcionários efetivos da Prefeitura - ganha R$ 490,00 por mês, com direito a férias e aposentadoria -, conta que o irmão foi internado há um mês por "problemas de cachaça".

Abdias Ferreira Lemos Neto, 28 anos, prestava serviços à Prefeitura como motorista. Agora, sem emprego, vive com a ajuda do pai, aposentado. E procura trabalho em Floresta, município a 34 quilômetros, onde os servidores municipais recebem o salário e onde gastam parte do dinheiro.

Os aposentados recebem os vencimentos nos Correios de Itacuruba, o que melhora a situação do pequeno comércio local. "O problema aqui não é clientela, é o fiado", afirma Sálvio Ferraz, dono do Tem de Tudo, o mercadinho mais sortido da cidade. Sálvio mora em Floresta, onde estudam os filhos.

Quem pode, manda os filhos estudarem em cidades maiores. Itacuruba tem até o segundo grau, mas crianças e jovens, na maioria, afirmam ter vontade de sair da cidade. Querem estudar e viver em lugares mais interessantes, onde a rotina não se resuma a fazer as tarefas pela manhã, ir à escola à tarde e assistir televisão.

Jaqueline dos Santos, de 14 anos, é exceção: "Prefiro trabalhar para que Itacuruba fique do jeito das outras cidades que são melhores." Filha de agricultores da Vila do Coité, na área rural, Jaqueline é a mais velha de sete irmãos e diariamente viaja 16 quilômetros numa estrada de barro para a escola, num carro da Prefeitura.

O prefeito Romero Magalhães Ledo (PPS) admite que o município não precisaria ter tantos empregados - 350 dariam conta do recado. O pagamento de 720 funcionários representa 54% da receita municipal. A maioria dos salários são baixos e a Lei de Responsabilidade Fiscal é cumprida. E há o nepotismo. "A característica local é da política familiar", minimiza o prefeito. "Se a lei do nepotismo for editada, pode até acabar com isso."

No comércio ninguém tem carteira assinada. "Ou se faz assim ou não se emprega ninguém", diz o dono do mercadinho Pague Menos, Manoel Tonico, 62 anos, que tem 6 ajudantes. "Isto aqui é só para dizer que se arruma o pão."