Título: Aos 10 anos, internet acelera o crescimento e invade telefone e TV
Autor: Renato Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2005, Economia, p. B6

Para alguns, parece que foi ontem. Para outros, que foi sempre assim. A internet comercial brasileira faz 10 anos e começa a engolir outros meios, como o telefone e a televisão. O chamado protocolo de internet (IP, na sigla em inglês) passa a servir de base para praticamente todo o tipo de serviço de comunicação. Operadoras como a Telefônica e a Brasil Telecom preparam ofertas de TV via internet, para ser assistida não no computador, mas no próprio aparelho de TV. O provedor de internet iG lança esta semana telefonia pela internet. A TVA já oferece o serviço e a Net prepara-se para fazê-lo.

"Aqui analisamos a viabilidade técnica", afirma o diretor de Desenvolvimento de Negócios Residenciais da Telefônica, Maurício Fabbris, sobre a televisão via internet. "Na Espanha, as vendas já estão bem agressivas, em 10 cidades." Chamado Imagenio, o serviço espanhol oferece, entre outras coisas, o vídeo sob demanda. O cliente escolhe o filme, a qualquer hora, e recebe o sinal via linha telefônica. Ele pode paralisá-lo, ir e voltar como num DVD. Ou seja: adeus videolocadora.

Para Francisco Pinto, presidente no Brasil da Riverstone Networks, fabricante de equipamentos, as grandes operadoras brasileiras devem fornecer TV via internet já no ano que vem.

Há 10 anos, a internet era uma rede que usava a infra-estrutura de outros serviços, como a telefonia, para existir. Atualmente, torna-se mais e mais a principal infra-estrutura de comunicação, engolindo outras redes e permitindo que prestadoras de diferentes setores ofereçam todos os serviços, competindo entre si.

EXCLUSÃO

Em 1.º de maio de 1995, a Embratel lançou um projeto-piloto para oferecer acesso nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. No dia 31 daquele mês, uma nota conjunta dos ex-ministros Sérgio Motta (Comunicações) e José Vargas (Ciência e Tecnologia) tirou o acesso à internet das mãos das estatais de telefonia, criou o Comitê Gestor da Internet e abriu o mercado à iniciativa privada, o que permitiu um crescimento explosivo da rede mundial no País em seu início. Ela chegou até à aldeia indígena em Parelheiros.

Hoje, a internet brasileira enfrenta o desafio de crescer, atendendo à população de baixa renda. De acordo com o Ibope NetRatings, o acesso residencial diminuiu no último ano. Em março de 2004 eram 20,5 milhões de brasileiros com internet em casa. No mês passado, o número ficou em 17,9 milhões. O governo federal tem uma série de programas para ampliar o acesso mas, até agora, a maioria não saiu do papel.

"As políticas públicas de tecnologia estão desarticuladas", afirma o diretor-executivo da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (Câmara-e.net), Cid Torquato. "O discurso do poder público acaba confundindo o mercado."

O PC Conectado, que promete colocar no mercado computadores de baixo custo, financiados a juros baixos, era para ter saído em dezembro. Ficou para maio. O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que deve chegar ao fim do ano com R$ 4 bilhões, recolhendo parte do faturamento das operadoras, nunca foi usado. "Existe uma burocracia terrível que não deixa os projetos deslancharem", diz o ex-ministro das Comunicações Juarez Quadros.

O projeto Casas Brasil, para a criação de telecentros gordos, com teatro, rádio comunitária e produção de vídeo, além dos computadores com internet, previa a instalação de mil pontos este ano. Por restrição do orçamento, a previsão caiu para 90. "Os telecentros são caros de implementar e manter", afirma o diretor-executivo da Câmara-e.net. "No lugar de gastar uma fortuna, o governo poderia incentivar pequenos empresários para operar os centros públicos de internet como negócio, e não benemerência."

Independentemente do modelo de negócios, a evolução da internet brasileira até agora mostra que os centros públicos, também chamados telecentros ou infocentros, são essenciais para ampliar o acesso dos brasileiros à tecnologia. Os sem internet no País estão próximos de 148 milhões. A queda no número de brasileiros com acesso residencial no último ano mostra que o mercado, por si só, não resolve.

CONHECIMENTO

Como perguntou certa vez o poeta americano T.S. Eliot: "Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento que perdemos na informação?". A inclusão digital - esta expressão de gosto duvidoso, que permite leitura de duplo sentido - não depende somente de máquinas para acessar a internet. Cada pessoa precisa estar preparada para fazer um bom uso do que está disponível na rede. E não se trata somente de conhecimento técnico.

"Algumas pessoas são analfabetas digitais", afirma Edson Luis dos Santos, de 22 anos, coordenador do Telecentro Jardim Copacabana, da Prefeitura de São Paulo, numa das regiões mais pobres da cidade. "Sabem mexer no computador, mas não conseguem achar as coisas na internet. Não conseguem baixar um livro, encontrar uma revista ou mandar um currículo. Não sabem que podem resolver coisas com um governo via internet, sem ter de ir a uma repartição."

Santos é responsável por um centro com 18 computadores que recebe de 150 a 180 pessoas por dia e tem 2,5 mil cadastrados. A maioria sem condição de comprar computador.

Para os mais jovens, porém, não é preciso nenhum curso. Os irmãos Jonathan Lopes Bentes, de 12 anos, e Matheus, de 10 anos, vão todo dia ao telecentro, onde passam uma hora na frente do computador. Nunca estudaram informática. "Não foi difícil", explica Jonathan. Os dois gostam de sites de bate-papo e jogos. Pode parecer fútil mas, quando precisaram fazer um trabalho escolar, não sentiram nenhuma dificuldade em usar o amigo eletrônico de todo dia.

Rafael Luiz de Souza, de 11 anos, também gosta de bate-papo e jogos. Mas não só. "Gosto muito de ler", diz Rafael. E como isto se manifesta na hora de navegar? "Sites de Harry Potter", apressa-se em dizer.