Título: A geração que nasceu para navegar
Autor: Daniel Hessel Teich
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2005, Economia, p. B7

Até pouco tempo atrás, pedagogos, educadores e mesmo especialistas em marketing discutiam os impactos da televisão na formação de jovens e adolescentes. Com a popularização da internet, esse tipo de polêmica virou um assunto irremediavelmente velho. Hoje, os adultos que a duras penas aprenderam a dominar um mouse tentam entender como funciona a cabeça de uma geração que nunca viu o mundo sem computador. É uma multidão de crianças e jovens com idade entre 2 e 20 anos, que nasceu cercada pela mídia digital e foi batizada pelo consultor americano Don Tapscott como Geração Net. "Para eles, a tecnologia digital é tão simples quanto uma torradeira elétrica", escreveu Tapscott em seu livro Geração Digital. "Pela primeira vez na história, as crianças estão mais confortáveis e são mais instruídas que os pais numa inovação tão importante para a sociedade."

Segundo estudos da Microsoft, maior fabricante de software do mundo, uma criança que nasceu junto com a internet no Brasil, há 10 anos, já é capaz de fazer downloads de música, usar e-mail, brincar com jogos online, montar páginas pessoais (blogs) e passear por sites de fãs-clubes de celebridades. Nesta idade já dominam também programas que lhes permitem "conversar" e trocar todo tipo de informação com amigos, nas chamadas mensagens instantâneas.

"Meu pai às vezes me pergunta como é que eu consigo ficar ligada no computador e ao mesmo tempo ouvir música, ver televisão e até dar uma olhada num livro ou revista. Mas isso é uma coisa normal para mim", conta Bruna Simas Pedreiro, 10 anos. Ela não só usa a internet para pesquisar, fazer tarefa escolar e brincar como também aproveita as horas diante do computador para ensinar os primeiros macetes para o irmão caçula, de 4 anos. "Ele fica ao meu lado e a gente navega junto", conta.

Segundo um levantamento do Instituto Ipsos Brasil, especializado em pesquisas de opinião, 53% das crianças com idade entre 10 e 12 anos das classes A e B acessaram pelo menos uma vez a internet nos últimos 30 dias. Na classes C, D e E esse número é inferior, de 14%, o que revela o caráter elitista que a rede ainda tem no País. De qualquer forma, a média de uso da internet para esta faixa etária, de 26%, já é superior à da população como um todo, que fica em 25%.

Crianças de 10 anos que usam internet são particularmente fascinadas por duas coisas: mensagens instantâneas e jogos online. Em ambos os casos comprova-se que o computador de fato está a anos-luz da velha televisão. "É muito mais legal. A gente não fica só ali, parado. Dá para conversar e brincar com os outros", diz Lucas Pereira, colega de classe de Bruna. Fã do MSN Messenger, sistema de mensagens instantâneas da Microsoft, Lucas fica de duas a três horas por dia em frente à máquina.

Entre os jogos online, em que brinca com outros garotos, gosta do Mu e do Diablo, que simulam batalhas medievais. São violentos? "Não. Não tem sangue. Meu pai não deixa eu jogar Counter Strike, por exemplo, que tem muito tiro e morte", diz ele, a respeito do game recheado de terroristas perseguidos por forças de combate inimigas.

Os programas de mensagens instantâneas tornaram-se populares por seus emoticons (figurinhas que expressam emoções), winks (figuras animadas) e abreviações - que transformam os textos em mensagens cifradas para os não iniciados. " Pl é pega leve, blz é beleza, msm é mesmo, pf é por favor, e por aí vai", explica Carolina Adas Haddad, que é apaixonada pelo MSN Messenger e também "cria" três bichinhos virtuais num site de internet, os chamados neopets. "Tenho de entrar no site todo dia senão eles choram ou ficam zangados", diz ela.

Com tamanha diversidade de informação, as escolas têm de correr atrás do prejuízo. "Mudamos as aulas de informática baseadas em programas educativos prontos e partimos diretamente para pesquisas na internet, onde as crianças buscam elas mesmas o material que precisam para as tarefas", diz Veronice Leal Rocha, professora da 4.ª série do Colégio Santa Maria, zona sul de São Paulo, onde estudam Bruna, Lucas e Carolina. "Só tomamos um certo cuidado para manter o foco e fazer com que eles consultem sites confiáveis."

Na sexta-feira passada, durante a aula de informática, os alunos de Veronice pesquisaram na internet um assunto com o nome enigmático de bullying, que pode ser traduzido como aquela brincadeira de mau gosto em que um grupo de crianças se junta para fazer chacotas e ridicularizar um colega. Aparentemente inocente, a brincadeira pode ter conseqüências dramáticas como suicídios ou tragédias como a de Columbine, nos Estados Unidos, em que estudantes marginalizados pelo grupo executaram um massacre numa escola.

A internet, com o anonimato e a velocidade de propagação de informações, é o ambiente perfeito para esse tipo de gozação, chamado de cyberbullying. Também oferece chance para outros tipos de atitudes nefastas, como visitas a sites pornôs, racistas e de violência explícita. Se as crianças de hoje são privilegiadas por terem um volume de informação e diversão nunca antes imaginado, pais e professores ganharam uma preocupação a mais. Da mesma forma que a internet é democrática e rica, é uma porta aberta para riscos. "Precisamos estar cada vez mais atentos", diz a professora Veronice.