Título: Empresas fornecem os estimulantes, diz motorista
Autor: Marisa Folgato
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/05/2005, Metrópole, p. C4

Uma combinação perigosa. Poucas horas de sono, alimentação ruim, uso de estimulantes e jornadas de 12 horas ao volante do caminhão. Esse é o perfil de parte dos caminhoneiros que transportam cargas para o Porto de Santos, pelo Sistema Anchieta-Imigrantes, que ganham até R$ 1.500,00 por mês. O motorista Ari Cirineu Batista Penteado, de 41 anos, é um dos que se enquadram nessa descrição. "Durmo de 3 a 5 horas, dependendo do horário em que tenho de entregar a carga", diz. "Às vezes, tomo rebites para conseguir enfrentar uma jornada de trabalho de 16 a 17 horas." Ele dirige um bitrem (duas carretas), com soja ou amianto, no trajeto de Anápolis (GO) ao Porto de Santos. Os estimulantes preferidos são os remédios moderadores de apetite. Por ter anfetaminas em sua fórmula, sua venda é controlada. "Mas, em algumas farmácias e postos de combustíveis, é possível comprar 20 comprimidos por R$ 10,00", diz o caminhoneiro C.M.L, de 42, que pediu para não ser identificado. Em Curitiba (PR), existem postos que vendem 50 comprimidos por R$ 10,00.

"Tomamos de três a quatro comprimidos", conta. "Além de tirar a fome, deixa a gente ligadão. Risco de acidentes? Existe o tempo todo. E só ver quantos caminhões estão envolvidos nos desastres. Mas precisamos trabalhar. O patrão exige produção." Em São Paulo, pode ser encontrado em alguns postos o "capetinha", um estimulante líquido, a R$ 5,00 o frasco. "Como é fraco, é preciso tomar vários", destaca.

"AJUDA"

Muitos caminhoneiros nem precisam ter o trabalho de procurar ou gastar dinheiro na compra dos rebites. "Várias transportadoras fornecem os rebites", afirma José Roberto de Oliveira, de 30. Por não concordar em tomar estimulantes, ele pediu demissão da empresa em que trabalhava. "Estou em aviso prévio. Trabalho de 12 a 13 horas por dia, e o patrão quer que eu faça mais horas. Não vou tomar rebites." Oliveira contou que um dos seus colegas teve um enfarte por usar estimulantes.

O biomédico Victor Hugo Bigoli, da Universidade Metodista, disse ter se surpreendido ao encontrar taxas de glicemia muito baixas nos exames feitos com os caminhoneiros durante a pesquisa. "Um deles tinha 36 mg de açúcar por decilitro de sangue, quando o normal é estar entre 70 e 99 mg. Com uma taxa dessas, num jejum muito prolongado, já começa a ter vertigem e cansaço", diz Bigoli.

A pesquisa apontou quadro de hipoglicemia em 27% das pessoas examinadas e de glicemia elevada em 16,3%. Um dos caminhoneiros apresentou taxa glicêmica de 465 mg/dl. "É um quadro de diabetes avançado."