Título: Cardeais do Brasil já estão isolados. 'Rezem por nós'
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/04/2005, Vida&, p. A12

Tranqüilo, carregando livros de espiritualidade e demonstrando grande consciência de estar iniciando um momento crucial para o futuro da Igreja, o arcebispo de São Paulo, cardeal d. Cláudio Hummes, deixou ontem a residência onde estava hospedado em Roma para ficar na Casa de Santa Marta, local dentro do Vaticano onde os eleitores ficarão isolados e sem comunicação com o mundo exterior até que escolham um novo papa. Ontem, todos os 115 cardeais fizeram seu check-in no hotel mais privativo do mundo, que custou US$ 20 milhões ao Vaticano para ser reformado nos anos 90. D. Cláudio, o cardeal d. José Freire Falcão e o arcebispo do Rio, d. Eusébio Scheid, estavam hospedados desde o funeral do papa João Paulo II no Colégio Pio Brasileiro em Roma. Ao deixar o local em direção ao Vaticano, os cardeais foram saudados por uma dúzia de religiosos que esperavam dar uma última mensagem aos eleitores. A maior atenção mesmo coube a d. Cláudio, cotado como um possível candidato ao cargo máximo da Igreja.

"Essa eleição será um ato religioso", afirmou d. Falcão. "Rezem por nós, rezem por nós", repetia d. Eusébio, apertando a mão de todos os que o esperavam. O cardeal do Rio foi o último a chegar ao saguão do Colégio Pio Brasileiro, fazendo que d. Cláudio e d. Falcão o esperassem por cerca de dez minutos. Segundo seus assessores, ele não queria encontrar a imprensa.

D. Cláudio insistiu que não poderia dar declarações diante do compromisso dos cardeais de manter o silêncio no momento. Ele contou, porém, que sempre se instala na Casa de Santa Marta quando está em Roma. O quarto em que ficará hospedado será o mesmo que usou em outras oportunidades. "A diferença das outras vezes é que, em circunstâncias normais, temos de pagar nós mesmos pelo alojamento na casa", explicou.

A reforma da Casa de Santa Marta permitirá que os cardeais tenham um pouco mais de conforto em comparação com 1978. Naquele ano, os eleitores, muitos deles com idade avançada, tiveram de compartilhar banheiros e viver em quartos minúsculos. O jornal italiano La Stampa revelou ontem que alguns cardeais encontraram lugar em suas malas para CDs de música e até lanches para beliscar durante a estada na Casa de Santa Marta.

D. Falcão disse que levava apenas livros de orações. "Não teremos tempo para mais nada", disse. Já d. Cláudio levou uma mala de roupas, onde incluía a batina e o inconfundível chapéu vermelho dos cardeais. Ele ainda escolheu a dedo livros de espiritualidade e de temas relacionados à Igreja.

As pessoas que o levaram até seu aposento na Casa de Santa Marta revelaram que ficaram surpreendidas com o comportamento de d. Cláudio ao entrar no Vaticano. "Tivemos a impressão de que ele não voltaria", afirmou um de seus auxiliares. O cardeal que for eleito papa não voltará mais a seu local de origem e passará já a viver no Vaticano no mesmo dia de sua nomeação.

Na entrada dos eleitores no Vaticano, no meio da tarde de ontem, um batalhão de jornalistas se amontoava para obter uma última imagem dos cardeais. Pancadas de chuvas e momentos de sol se alternavam, enquanto motoristas em carros de luxo chegavam trazendo os cardeais-eleitores. O cardeal português José Saraiva Martins chegou caminhando ao portão do Vaticano com seu guarda-chuva.

Ontem, os 115 cardeais jantaram juntos e, hoje, vão entrar na Capela Sistina para o primeiro dia de reuniões. Uma missa, pela manhã, será celebrada pelo decano Joseph Ratzinger, um dos cotados para substituir João Paulo II. Os eleitores ainda farão um juramento de jamais revelar o que for dito. "Vamos fazer o juramento e não será divulgado nada, nem depois de concluído o processo", disse d. Cláudio.

Além do juramento, o Vaticano ainda fez um amplo trabalho de busca por aparelhos de escuta tanto na Casa de Santa Marta quanto na Capela Sistina. Um sistema foi instalado para impedir que qualquer sinal de telefone celular ou outro aparelho seja transmitido entre a Capela e o mundo exterior. No sábado, a reportagem do Estado tentou utilizar o celular na capela e confirmou o bloqueio.

Ontem, em toda Roma, missas foram realizadas pelos cardeais que começarão a determinar o futuro da Igreja. "As pessoas acham que vamos votar como em uma eleição. Mas isso é algo completamente diferente. Vamos ouvir Deus e o Santo Espírito", afirmou o cardeal de Honduras Oscar Andres Rodriguez Maradiaga em sua missa. "Acho que o Espírito Santo já sabe (quem será o papa), mas ainda não nos disse", disse o mexicano Norberto Rivera Carrera. "O novo papa já foi escolhido por Deus. Temos apenas que rezar para entender quem é ele", afirmou o cardeal de Florença, Ennio Antonelli. Há quem diga que o conclave pode acabar na quarta-feira.

Enquanto os cardeais chegavam ao Vaticano, funcionários da Santa Sé organizavam o que talvez seja o último detalhe para o início do conclave: o balcão de onde será anunciado o nome do novo papa, diante da Praça de São Pedro. Cortinas vermelhas foram instaladas na janela central da Basílica de São Pedro, onde o papa será apresentado a uma multidão em algum momento nos próximos dias.