Título: As profecias para o novo papado
Autor: Tomás Eloy Martínez
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/04/2005, Vida&, p. A13

Há não muito tempo, as profecias de um padre irlandês do século 12, São Malaquias de Armagh, ainda eram aceitas como sugestões - com apenas uma pequena margem de erro - de quem seria o próximo papa. Essas profecias tinham um crédito tão sólido que o papa Pio XII não se dispôs a proibir um documentário sobre seu papado como Pastor Angelicus, no qual ele era identificado com a mesma alcunha que Malaquias lhe dera.

O próximo papa seria chamado de Pastor et Naut (Pastor e Navegante). O significado era tão poderoso que o Catholic-Pages.com explica: "Em 1958, antes do conclave que elegeria o papa João XXIII, o cardeal (Francis) Spellman de Nova York alugou um barco, encheu-o de ovelhas e velejou pelo Rio Tibre, para demonstrar que era um pastor et nauta". Infelizmente, o resultado foi que ele perdeu os poucos votos a seu favor. O candidato eleito foi Angelo Giuseppe Roncalli, patriarca de Veneza, cidade de marinheiros construída sobre as áreas inundáveis no norte da Itália.

As visões de Malaquias, no entanto, caíram em desgraça nesta era de ceticismo. Acredita-se que o santo passou suas previsões às mãos do papa Inocêncio II durante sua peregrinação a Roma em 1139, segundo a história contada pelo abade Cucherat. Desde então, elas nunca deixaram os arquivos do Vaticano. Perto do fim do século 16, aparentemente se revelou que as previsões eram invenções de Cucherat.

Para a Igreja Católica, isso convém, porque o próximo papa, segundo Malaquias, seria o penúltimo, antecedendo Pedro, o Romano, em cujo reino Roma seria destruída e o Juízo Final, pronunciado.

Na famosa lista, o próximo papa será Gloria Olivae, a Glória das Oliveiras, um nome com demasiados significados possíveis para que se imagine quem é. Ele poderia indicar que o novo papa virá de um país com bosques de oliveiras, como Itália, Argentina, Espanha, ou terá a pele cor de oliva. Ou nenhuma dessas alternativas.

Por enquanto, não há nenhum indício. Existem, no entanto, possibilidades mais do que suficientes para que os cardeais entrem hoje no conclave sem nenhum claro favorito, que é o que aconteceu nas últimas duas vezes.

Porém, diferentemente do que ocorreu há 26 anos, o conclave está diante de muitas questões que não têm respostas claras: queremos um papa transitório que governe por apenas alguns anos ou, ao contrário, queremos um papa jovem com uma personalidade enérgica? Queremos voltar ao tradicional papa italiano ou confiar a Igreja a um pastor de uma das nações estrangeiras onde vivem dois terços dos católicos? Devemos escolher um grande comunicador que possa empolgar os crentes, como fazia o papa polonês? As questões básicas, contudo, dizem respeito a uma ordem mais elevada.

Que Igreja queremos para a nova era? Questões concorrentes são a posição da Igreja sobre a pobreza, os desafios bioéticos e os costumes sexuais em rápida mutação, o papel das mulheres e dos leigos e o dramático declínio da vocação sacerdotal.

Na Europa, essa vocação é metade do que era em 1978 e, em outros lugares, cresce a um passo dolorosamente lento. Como a Igreja sairá desse dilema? Embora o que quer que aconteça no conclave seja imprevisível, a lista de candidatos principais não passa de cinco nomes. Se for para eleger um italiano, o mais óbvio é o arcebispo de Milão, Dionigi Tettamanzi, um influente conselheiro da organização Opus Dei que teria colaborado com o falecido papa na formulação da encíclica Evangelium Vitae.

Entre os outros europeus, o favorito é o austríaco Christoph Sch¿nborn, um dominicano que estudou teologia com o cardeal Joseph Ratzinger e vem de uma família de 19 bispos e arcebispos.

Os dois latino-americanos mencionados com mais freqüência são o argentino Jorge Mario Bergoglio, que tem a desvantagem de ser jesuíta - ele seria o primeiro papa dessa ordem - e a vantagem de ser altamente estimado por sua sinceridade e humildade, embora nos últimos dias sua candidatura tenha perdido terreno; e um franciscano de enorme carisma, o arcebispo de São Paulo, Cláudio Hummes, que infelizmente divulgou declarações demais antes de viajar para Roma e que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, tem apoiado firme e persistentemente, coisas que podem pesar contra ele.

Finalmente, há o cardeal nigeriano Francis Arinze, que passou os últimos 20 anos na Cúria romana, cativando seus colegas. Mas seus críticos dizem que ele não é nem visionário, nem empolgante.

Todos eles têm perfis que vão do moderado ao conservador. Em vários consistórios, o papa João Paulo II só aceitou incorporar alguns poucos cardeais reformistas, e o próximo papa quase certamente estará longe de ter o ardor revolucionário do papa João XXIII ou do papa João Paulo I. No entanto, não se deve eliminar o cardeal hondurenho Oscar Rodríguez Madariaga, arcebispo de Tegucigalpa, um salesiano que defende a justiça social com fervor.

Mas talvez o próximo papa seja alguém sobre quem ninguém sequer tenha falado, que é o que aconteceu com Karol Wojtyla, ou alguém que vai garantir um breve reinado, uma mera transição, como seria o caso se o cardeal alemão Ratzinger, de 78 anos, fosse eleito. Outra candidatura discreta, mas não menos sólida, é a do patriarca de Veneza, Angelo Scola, que causou sensação em outubro de 2003 quando reconheceu que existe uma separação entre a Igreja e o mundo.

"É difícil determinar se isso é culpa do mundo, que abandonou a Igreja", admitiu Scola, "ou da Igreja, que não sabe como se relacionar com o mundo." O próximo papa, Gloria Olivae, citado nas previsões de Malaquias, terá de arar e semear terras acidentada s, contra ventos adversos e um mundo mais injusto e desigual, com menos fé.

João Paulo II foi o papa certo para seu tempo, mas esse tempo agora mudou. Sua morte ainda está fresca na memória, e ainda se pensa nele como uma sombra insuperável. Mas os cardeais sabem que sua missão é encontrar um papa que aceite esse legado como um desafio, que veja adiante e, se possível, veja mais claramente.