Título: Intelectuais argentinos ironizam a eleição
Autor: Ariel Palácios
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/04/2005, Vida&, p. A13

Fiéis e intelectuais argentinos estão encarando com ironia o conclave que escolherá o novo papa. O alvo preferido dos comentários é a possibilidade de que o próximo papa seja um argentino, neste caso, o cardeal e arcebispo de Buenos Aires, o conservador Jorge Bergoglio, suspeito de ter colaborado com a última ditadura militar no país. "Eu não acredito nas chances de que seja eleito um papa argentino... Mas essa possibilidade me aterroriza", afirma o escritor e ensaísta Martín Caparrós. "Este é um país no qual, quando uma telenovela argentina faz sucesso em um algum lugar do Oriente Médio, todo mundo fala que 'a pátria está triunfando'. Ou, quando dois tenistas argentinos vencem quatro jogos cada um... todos começam a falar sem parar sobre smashes e saques. Ou seja, se houver um papa argentino, estamos fritos. De uma hora para outra tudo seria papa, papa, papa.... seríamos o papa-país."

Caparrós ainda arremata, de forma irônica, com um provérbio sobre o assunto: "Deus, que é argentino, não pode querer essa crueldade para a gente!"

Para o humorista Aníbal Litvin, a possibilidade de que seja eleito um papa argentino "era a última coisa que lhe faltava". "Imaginem vocês um papa argentino... Logo para nós, que somos tão ufanistas! Mas, se for eleito, será, com certeza, por causa de uma coisa que já sabemos há muito tempo: Deus é argentino."

Com ironia, Litvin argumenta que o merchandising na Argentina se dedicará exclusivamente ao novo Santo Padre: "Venderão bonequinhos do papa que dirão 'Amém' se você apertar a barriga deles, além de venderem chaveiros do papa com a chave para entrar no céu..."

De acordo com o humorista, não faltarão coleções de figurinhas e camisetas com o papa argentino ao lado de outro famoso, o falecido guerrilheiro Ernesto "Che" Guevara. Ainda de acordo com Litvin, o novo papa ajudará o país com as dívidas internacionais, com a frase "Deus lhe pague."

CHARGE NO JORNAL

O jornal Página 12 dedicou seu suplemento semanal de humor ao conclave. Na capa, colocou uma charge que mostra dois representantes do clero conversando diante da Capela Sistina. Ao ver a fumaça branca saindo da chaminé, um pergunta ao outro: "Habemus papam?" O outro responde: "Não... É a pizza que queimou."

Até mesmo o sisudo âmbito diplomático pode ser tentado ao humor negro quando o assunto são as exéquias papais. Esse foi o caso do embaixador argentino no Vaticano, Carlos Custer.

Para rebater as críticas realizadas por diversos setores da sociedade sobre a decisão do presidente Néstor Kirchner de não comparecer ao funeral de João Paulo II, ele afirmou em um programa de rádio: "Qual é o problema de o presidente Kirchner não ter vindo à Roma? No fim das contas, o papa nem ia ficar sabendo..."

Uma pesquisa realizada recentemente pela consultoria Telesurvey indicou que os argentinos não foram grandes admiradores do papa João Paulo II. O sociólogo Heriberto Muraro, diretor da consultoria, sustentou que estava surpreso ao ver que o papa é uma personalidade discutida na Argentina.

Segundo a pesquisa, somente 24% dos entrevistados consideram que o falecido papa ajudou muito a fortalecer a confiança das pessoas na Igreja Católica. Outras 31% consideram que a ajuda de João Paulo II foi relativa, enquanto para 29% sua colaboração foi pouca. Outros 14% afirmam que a ajuda foi nenhuma.

IMAGEM NEGATIVA

Muraro afirma que se supreendeu ao ver que não existe uma posição majoritariamente positiva sobre o desempenho de João Paulo II durante a crise que, em 1978, quase levou a Argentina à guerra com o Chile pela disputa territorial sobre o Canal de Beagle. Apenas 21% afirmam que a intervenção papal foi muito benéfica, enquanto outros 32% a definem como relativamente benéfica. Para 17% foi pouco benéfica, enquanto 16% a consideram nada benéfica.

A pesquisa também indicou que 77% dos argentinos querem um papa mais liberal no que se refere a assuntos como o controle da natalidade. Apenas 17% desejam um papa conservador como João Paulo II.