Título: Editoras acusam o governo de só comprar didáticos mais baratos
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/04/2005, Vida&, p. A16

Editoras acusam o governo estadual de optar por livros didáticos mais baratos e induzi-las a fabricar produtos com poucas páginas e de pior qualidade. São Paulo é o único Estado em que a compra não é gerenciada pelo Ministério da Educação (MEC). No restante do País, as escolas escolhem duas opções de livros que pretendem adotar e a primeira delas só não é adquirida pelo MEC quando há problemas nas negociações com as editoras. Aqui, a escolha é feita toda pela internet; as escolas indicam uma primeira e uma segunda opção e o Estado compra sempre a obra mais barata. O preço dos livros é determinado pela quantidade dos cadernos tipográficos, que são blocos com um certo número de páginas. Portanto, quanto mais fino, mais barato é o livro didático. "Se você tem um ótimo livro de 200 páginas, você é obrigado a reduzir se o outro que está concorrendo com o seu tem 150 páginas", diz João Arinos, presidente da Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros), que congrega cerca de 30 empresas que publicam obras didáticas. "Quem tem livro grosso não vende para São Paulo."

ESCOLHA AUTOMÁTICA

A concorrência entre os livros é feita apenas na internet. Segundo a coordenadora do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) na Secretaria de Educação de São Paulo, Aidê Magalhães Benfatti, é o computador que escolhe automaticamente o mais barato entre os dois sugeridos pelos professores. O Estado não fica sequer sabendo se o livro comprado foi a primeira ou a segunda opção do professor.

No processo do PNLD, os preços dos livros - em média R$ 4 cada um - são negociados previamente pelo próprio MEC, mesmo no caso de São Paulo. Isso porque todos os Estados usam um mesmo catálogo de livros para cada disciplina que foram avaliados por uma equipe externa de especialistas.

O PNLD foi elaborado dando importância para a escolha feita pelos profissionais que trabalham nas escolas, mas ela é sempre limitada ao catálogo. Segundo o MEC, a segunda opção existe apenas por "questão logística". A praxe é comprar e enviar às escolas em todos os municípios as obras indicadas como primeira opção. O que São Paulo faz separadamente, desde 1995 e por vontade do próprio Estado, é a organização da escolha e o envio.

"Tanto faz para o professor se mandamos o primeiro ou o segundo escolhido, os dois são bons", diz Aidê. "O Estado de São Paulo tem de usar da melhor forma possível o dinheiro público." O convênio com o MEC prevê R$ 86 milhões para o processo paulista. Segundo ela, as editoras têm "ódio mortal" do que é feito por aqui porque "não se é obrigado a comprar a primeira opção". Aidê sustenta que essa obrigatoriedade no resto do País propicia o lobby de editoras, que convencem professores a escolher em primeira opção o livro publicado por elas e não há nenhuma possibilidade de o governo não adquiri-lo. O mercado de livros didáticos é animador: as compras de livros pelo MEC atingem milhões de unidades, quantia comparada apenas a best-sellers de autores como Paulo Coelho.

TRUQUE

O presidente da Editora Nova Geração, Arnaldo Saraiva, classifica o processo feito em São Paulo de "burro e antidemocrático". Ele enviou 50 mil panfletos a escolas públicas em que se lê "São Paulo, o Estado mais atrasado do Brasil". O livro de História que publica, chamado Nova História Crítica, foi o mais pedido este ano nas escolas do País para alunos de 5.ª a 8.ª série; 3,5 milhões de unidades foram compradas da editora. Em São Paulo, é o oitavo da lista, com cerca de 25 mil livros.

Durante o processo de seleção, ele também enviou material aos professores, aconselhando-os a indicar um livro mais grosso como segunda opção, caso quisessem realmente receber o Nova História Crítica. Seu livro tem 1.206 páginas e é o segundo mais grosso do catálogo da disciplina. "Tive de ensinar um truque", diz. De acordo com ele, há editoras elaborando coleções inteiras com livros finos, apenas para vender em São Paulo.

O presidente do sindicato dos professores do Estado (Apeoesp), Carlos Ramiro, diz que o melhor livro não é mais fino ou o mais grosso e sim aquele que o professor escolheu, porque está ligado à sua forma de ensinar. Mesmo assim, para ele, a segunda opção não necessariamente é pior que a primeira ou distante da didática do professor. "Mas a secretaria precisa avisá-lo de que não mandará sua primeira opção", diz.

O PNLD compra novos livros a cada três anos para alunos de 1.ª a 4.ª série e de 5.ª a 8.ª série. Em 2005, houve compras apenas para o segundo grupo. Nos intervalos do processo, os livros devem ser reaproveitados pelos alunos.

Ao comparar as compras em São Paulo e no Brasil, há constatações curiosas. O livro mais pedido no País na área chamada Ciência, da editora Positivo, está em último na lista dos dez mais pedidos em São Paulo. O campeão no Estado é Ciências, Novo Pensar não-Consumível, da editora FTD. Sua avaliação feita pelos especialistas contratados pelo MEC diz que "a obra apresenta algumas imprecisões de informação e inadequações (...) que podem comprometer a compreensão de um ou outro conceito".

Ao mesmo tempo, os avaliadores dizem que a metodologia do livro Novo Praticando Matemática, da Editora do Brasil, líder em São Paulo e no resto do País, "não estimula a participação do aluno na construção mais autônoma do seu conhecimento (...) Dessa maneira, fica limitada a compreensão do papel da matemática para a construção da cidadania". Os professores têm acesso às avaliações antes de escolher os livros.