Título: País pede comércio justo para pobres
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/04/2005, Economia, p. B1

Comércio mais justo poderá beneficiar os pobres muito mais que o aumento da ajuda oficial, disse ontem o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, na reunião de primavera do Comitê de Desenvolvimento do Banco Mundial (Bird). Uma elevação da ajuda oficial para 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países desenvolvidos 'seria facilmente superada pelos ganhos derivados de uma bem sucedida conclusão da Rodada Doha', disse o ministro. 'Em nossa opinião, uma forte redução das barreiras de acesso a mercados é a chave num processo multilateral, recíproco e não discriminatório de liberalização comercial.' A abertura dos mercados poderia proporcionar um ganho anual de US$ 250 bilhões no comércio, em 2015, e mais de um terço desse aumento iria para os países em desenvolvimento, argumentou Palocci.

Segundo o Banco Mundial, essa ampliação do comércio daria impulso adicional de 2% ao crescimento econômico aos países de renda baixa. Esse cálculo aparece no Relatório de Acompanhamento Global, que indica os avanços na direção das Metas do Milênio. As metas incluem uma redução de 50%, até 2015, da porcentagem de famintos e de pessoas com renda diária abaixo de US$ 1, registrada em 1990.

O ministro da Economia da Argentina, Roberto Lavagna, lembrou que os países de renda média, e não os pobres, são os que enfrentam as maiores barreiras ao comércio agrícola no mundo rico, com obstáculos equivalentes a tarifas de 49%. Foi mais explícito que Palocci, portanto, na defesa dos interesses de países como o Brasil e a Argentina.

Se a ajuda oficial passar dos atuais 0,26% do PIB para 0,7%, objetivo fixado há mais de 30 anos, jamais cumprido e reafirmado no ano 2000, o valor disponível terá um aumento de cerca de US$ 100 bilhões anuais, segundo cálculos correntes.

As diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento em relação às negociações comerciais foram evidenciadas em vários momentos, durante a semana, tanto nos comitês do FMI quanto nos do Bird.

O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, John Snow, acentuou a importância da liberalização dos serviços, especialmente dos financeiros, na Rodada Doha. A mesma ênfase apareceu num comunicado do Grupo dos 7, que reúne as maiores economias industriais.

Representantes dos países em desenvolvimento apontaram sempre o acesso a mercados como objetivo principal das negociações.

Embora insistindo na importância da liberalização comercial, especialmente nos mercados agrícolas, o ministro Palocci defendeu também a elevação da ajuda financeira oficial aos países pobres, com atenção especial para os da África. Lembrou que numa reunião em Brasília, em fevereiro deste ano, Brasil, Chile, França, Alemanha e Espanha reafirmaram compromisso com a adoção de novos mecanismos financeiros para uma ação mundial contra a fome e a pobreza, com apoio ded 112 países.

Palocci foi um dos primeiros, se não o primeiro, nesta semana, a lembrar o papel do governo brasileiro no lançamento de novas propostas de financiamento do combate à pobreza. Em setembro, na assembléia anual conjunta do FMI e do Bird, as referências ao presidente Lula e a sua proposta de criação de impostos para ajuda aos pobres foram constantes nas manifestações oficiais dos chefes das duas instituições.

Além de insistir na importância de ajuda financeira mais ampla e mais eficiente, Palocci chamou a atenção para o crescimento como 'condição necessária para a redução da pobreza'.

Mas taxas maiores de crescimento econômico, nos países pobres, 'só serão possíveis num ambiente em que o setor privado possa florescer'. 'De especial interesse para nós é fortalecer a administração fiscal, especialmente a estrutura e a qualidade do gasto público.'

O ministro brasileiro voltou a defender o aumento do poder de voto das economias em desenvolvimento no Bird e no FMI. Um dos objetivos seria dar maior representatividade a grandes economias emergentes, como o Brasil. Será uma discussão politicamente complicada, reconheceu Palocci, mas o Brasil continuará sua campanha.

Palocci falou na reunião do Comitê de Desenvolvimento do Banco Mundial como representantes de um grupo que inclui, além do Brasil, a Colômbia, o Equador, as Filipinas, o Haiti, o Panamá, a República Dominicana, o Suriname e Trinidad e Tobago.