Título: Para onde vamos?
Autor: Ivoncy Ioschpe
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/05/2005, Economia, p. B3

Entre o que vem sendo divulgado e a real situação da economia vai se abrindo um fosso de dimensões crescentes. Ao contrário do que muitos dizem não há presentemente um sustentado crescimento econômico e nenhum indicador referente à economia divulgado nos últimos meses sugere o contrário. Alguns confundem sem saber, outros deliberadamente, uma indicação de que a economia não está regredindo (ou seja, não entrou em declínio) com sintoma de que ela está avançando. Nem o diagnóstico de retrocesso, nem a avaliação de que o momento econômico é de expansão condizem com a realidade. O que de fato está ocorrendo é uma estagnação que se nada for feito representará a ante-sala de uma retração na economia brasileira. Friamente, o que as mais recentes pesquisas econômicas informam é que a indústria não cresce já há seis meses, o emprego no setor parou de aumentar e o comércio varejista evolui a taxas cadentes e já próximas a zero. No setor que vinha simbolizando a mudança e o dinamismo empreendedor brasileiro, o agronegócio, os sinais de desajustes são cada vez mais preocupantes em função do ônus financeiro imposto pela política de juros e da redução da renda do setor em decorrência da valorização cambial. O consumidor vem perdendo confiança e, como a mais recente pesquisa da CNI apurou, o mesmo ocorre com o empresário industrial que se mostra menos propenso a investir.

Três momentos marcaram a evolução recente da economia brasileira. O primeiro, que compreende o último trimestre de 2003 e o primeiro trimestre de 2004, corresponde à superação da crise econômica vivida até então pelo país. O desempenho agrícola e o grande aumento das exportações promovido por uma significativa desvalorização do real ocorrida entre fins de 2002 e os meses iniciais de 2003 estão na raiz desse processo. O período seguinte, que abarca o segundo e o terceiro trimestre do ano passado, foi de grande intensidade e alimentou um processo industrial, que, como se sabe, desde 1986 não evoluía tanto. Em 2004, a produção da indústria teve expansão de 8,3%. O maior crescimento do PIB (5,2%) nos últimos dez anos foi outra decorrência desta dinâmica etapa. Finalmente, o último período, quando a economia estagnou, foi iniciado no quarto trimestre de 2004, perdurando até os dias de hoje. Não é ocasional o fato de que este derradeiro período coincide com a volta da política de taxas de juros ascendentes adotada pelo Banco Central.

O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) em diversas oportunidades levou às autoridades responsáveis pela política econômica do país a sua convicção de que é errada a política apoiada em uma ambiciosa meta de inflação e conseqüente fixação de taxas de juros que limitam o crescimento dos investimentos e promovem a valorização da moeda nacional. Na direção contrária às recomendações, o comando econômico intensificou a execução dessa política.

O governo tomou medidas contraditórias, por exemplo, quando recentemente passou a promover novos aumentos da taxa básica de juros ao mesmo tempo em que criou mecanismos de ampliação do crédito a pessoas físicas (com base no desconto em folha) com taxas muito inferiores à taxa média do crédito concedido para esta categoria, o que acelerou a evolução do financiamento ao consumo.

Mais esclarecedor do que atribuir ao público a responsabilidade pelos juros altos, e mais útil do que pedir a este mesmo público que pressione os bancos para a redução de juros seria admitir que a operação de captação de recursos pelo Tesouro - o maior tomador de fundos do país - aceitando pagar uma das maiores taxas em todo o mundo (quase 20% ao ano), é a fonte primária do problema. Se o próprio governo aceita esse estado de coisas, é evidente que os demais tomadores de recursos pagarão taxas superiores a esta. Além de ser causa destacada do desequilíbrio do setor público, vem daí o principal determinante da excessiva valorização da moeda e da redução recente dos investimentos.

No comércio exterior, os resultados dos últimos meses mostram que, como em 2004, obtivemos expressivos saldos comerciais, os quais atribuímos à significativa evolução do volume do comércio mundial e aos mais favoráveis preços obtidos pelos produtos de exportação brasileiros nos mercados internacionais. Os elevados saldos também expressam os contratos celebrados quando a taxa de câmbio ainda comportava rentabilidade positiva e atrativa para a exportação. No momento da celebração desses contratos os empresários entendiam que a preservação de uma taxa de câmbio remuneradora seria conservada como um dos sustentáculos do crescimento de médio e longo prazo da economia. Uma vez que isso não se confirmou, os empresários, naturalmente, não deixaram de cumprir os contratos em vigor porque sabem o vulto dos investimentos requeridos para a conquista de posições no mercado externo, mas futuramente cessarão as novas contratações o que afetará os números do comércio exterior.

Quanto ao plano interno, é evidente que com a atual taxa de juros é apenas uma questão de tempo para que a economia entre em uma retração.

Portanto, infelizmente, o Iedi não pode compartilhar de certas infundadas avaliações e manifestações de exagerado otimismo sobre a economia do País, razão pela qual a resposta a nossa indagação "para onde vamos?" não pode ser outra: caminhamos rumo a um recuo econômico a não ser que haja uma mudança substancial na política econômica. Essa mudança se faz necessária mesmo que o preço a ser pago signifique um esforço transitório maior da sociedade brasileira, mas, como também cabe advertir, esse custo só aumentará caso se prolongue a execução da atual política econômica.

A mudança em direção a uma nova política econômica teria que contemplar, primeiro, uma forte redução do custo do Estado para que a política fiscal torne-se instrumento sólido da política econômica. Em segundo lugar, deve haver uma expressiva redução da taxa básica de juros, de forma que caia significativamente o custo de captação de recursos do setor público que hoje consome 23% da arrecadação fiscal dos três níveis de governo. A recomendação de mudança inclui também o retorno das intervenções do governo no mercado de câmbio, agora como atuação regular e sistemática com o objetivo de fortalecer ainda mais as reservas internacionais do país, e a execução de um programa de aumento dos investimentos públicos com prioridade para as áreas de infra-estrutura indispensáveis para a sustentação do crescimento econômico.

Sobre este último ponto, devemos reconhecer que parte dos gastos sociais que o governo tem realizado, especialmente em educação e saúde, constitui de fato investimentos. Apenas consideramos que o esforço de inversões públicas não pode deixar de contemplarcom muito maior ênfase do que no presente os investimentos em infra-estrutura, principalmente em logística.

É sempre possível que um excepcional quadro de expansão da economia mundial adie os efeitos de políticas econômicas equivocadas no plano interno. E, de fato, segundo avaliações das agências internacionais, um inusitado crescimento ocorreu no biênio 2003/04 (considerado o de maior intensidade nas últimas três décadas), devendo se repetir no corrente ano. Em poucas ocasiões como agora os países em desenvolvimento estão obtendo taxas tão elevadas de crescimento do PIB como resultado do boom econômico global, processo o qual, infelizmente, a economia brasileira acompanha apenas à distância.

Para se ter idéia, considerando o período que vai de 2003 a 2005 (para este último ano, as estimativas são do FMI), o crescimento acumulado do PIB brasileiro será de 9,3%, ou seja, o correspondente a 68% do desempenho mundial que acumulará no mesmo período 14% de aumento. Com relação às economias emergentes, cujo crescimento subirá a 21%, o desempenho econômico brasileiro representará somente 46%. Tomando-se exclusivamente o ano de 2005, a evolução do PIB prevista para o Brasil (3,7%) é inferior à da economia mundial (4,4%) e não chega a 60% do crescimento estimado para as economias em desenvolvimento (6,3%).

Como qualquer outra economia integrada na globalização, o Brasil vem sendo beneficiado pelos efeitos positivos do crescimento da economia mundial. Em 2005, certamente continuaremos amparando boa parte do dinamismo econômico interno e do comércio exterior neste movimento que nos tem favorecido também por gerar uma farta liquidez internacional. Isto vem impedindo que a economia brasileira mergulhe em uma nova retração ditada pela ação da política de juros, porém não evita o afastamento progressivo da economia com relação ao padrão médio de evolução dos países emergentes.

A responsabilidade com que o governo enfrentou a crise econômica que se apresentava quando de sua posse foi o fator determinante para a superação desta crise e para a gradativa recuperação da economia que se seguiu. O que agora é requerido é uma dose redobrada de responsabilidade, desta feita para remover os riscos de uma nova e desnecessária retração da economia causada pelos erros da política econômica. O Brasil pode e deve adotar medidas que ajudem no combate a inflação e, como em vários países de maior êxito econômico, viabilizem menor taxa de juros e adequada e estável rentabilidade à exportação, estas as bases do crescimento sustentado.