Título: Dívidas ameaçam a Brasil Ferrovias
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/04/2005, Economia, p. B7

A Brasil Ferrovias, que atravessa os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo por 4.673 quilômetros até chegar ao porto de Santos, corre risco de interrupção das atividades, de acordo com relatório elaborado pelo BNDES e enviado ao Ministério dos Transportes. 'Ao analisarmos as empresas que compõem o Grupo Brasil Ferrovias, podemos constatar situação bastante crítica, com risco, inclusive, de declaração de caducidade dos contratos de concessão pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com a conseqüente interrupção das atividades operacionais das concessionárias', diz o relatório.

O documento explica que a decisão tomada pelo BNDES de aportar R$ 415 milhões na empresa - R$ 150 milhões em recursos novos e o restante na conversão de dívida em capital -, tornaria o banco acionista com 30% da Ferronorte, uma das empresas da holding.

Como contrapartida, os principais acionistas, os fundos de pensão de estatais Funcef (Caixa Econômica Federal) e Previ (Banco do Brasil) entrariam com mais R$ 370 milhões. Em princípio, o banco estatal, com o qual a Brasil Ferrovias já acumula dívida de R$ 1,6 bilhão, não poderia mais emprestar dinheiro ao grupo, mas o caso está sendo tratado como uma exceção.

O acordo vem sendo negociado desde meados do ano passado. A data prevista para assinatura é dia 20 próximo, mas depende de parecer da ANTT, que regula e fiscaliza as concessões ferroviárias.

Segundo o presidente da Funcef, Guilherme de Lacerda, presidente do Conselho de Administração da Brasil Ferrovias, uma empresa vai rever a estrutura gerencial e administrativa do grupo.

Isso significa mudança de gestão, uma exigência do BNDES.

O Grupo Brasil Ferrovias S/A foi criado em 2002, 6 anos depois do início da privatização da malha ferroviária brasileira. É o resultado da junção de três concessões: a Ferronorte, a Ferroban e a Novoeste, cuja operação, descobriu-se tardiamente, não fazia sentido se não fosse feita de forma integrada.

'É a empresa ferroviária brasileira com o maior potencial, porque está no principal porto, na principal região produtora de soja e passa pela principal região industrial no Brasil', diz Lacerda.

'Atualmente, a malha ferroviária dessa região encontra-se em situação precária e com baixa produtividade, não atendendo de forma adequada os seus mercados (...)', diz o relatório do BNDES.

Lacerda não discorda. 'O trabalho do BNDES foi feito com base em muitos dados que nós mesmos fornecemos.' Mas, sustenta, o grupo chegou à situação caótica atual por dois motivos alheios à gestão administrativa.

O primeiro foi o atraso de 5 anos na construção de uma ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná, para unir a Ferronorte à Ferroban e efetivar a ligação do CentroOeste a Santos.

O segundo, a taxa de juros de empréstimos concedidos pelo BNDES que, segundo ele, superaram 18% ao ano em alguns períodos.

'A empresa tem capacidade espetacular de geração de caixa, de Ebitda (lucro antes da incidência de impostos, juros e amortizações), só que a dívida explodiu', diz Lacerda.

Elias Nigri, presidente da Brasil Ferrovias, lembra que a privatização da Ferroban, no final de 1998, entrou na negociação do acordo tributário do governo de São Paulo com a União e 'trouxe consigo uma série de incertezas porque a antiga Fepasa tinha um contingente grande de funcionários'.

O resultado foi um passivo trabalhista que a empresa tem de pagar e que é motivo de disputa judicial com a União. 'Já pagamos R$ 76 milhões em causas trabalhistas que os juízes mandam debitar na conta em penhora eletrônica, inclusive dos nossos clientes.

Entramos na Justiça', diz Nigri.

Na negociação sobre a reestruturação com acerto de contas, a empresa propõe amortizar parte da dívida de arrendamento, que chegam a quase R$ 300 milhões, com as despesas de penhora.

As negociações para a reestruturação ainda envolvem acionistas privados, que não concordavam em aportar mais dinheiro no projeto.

São sócios minoritários o banco JP Morgan e o fundo de investimento Laif, americanos, e o Bradesco. 'Havia investidor querendo sair com lucro dessa história, como se o dinheiro investido não fosse capital de risco', diz uma fonte do BNDES.

O banco destaca no relatório que 'as demonstrações financeiras da Ferroban e da Novoeste evidenciam elevada situação de endividamento, baixa rentabilidade sobre seus ativos operacionais, margens negativas e registro de passivo a descoberto.

As empresas também possuem impostos e contribuições em atraso, além de estarem inadimplentes com diversos fornecedores'.

Guilherme Lacerda estima que a Funcef já perdeu, em termos atualizados, quase R$ 500 milhões aplicados no grupo e a Previ, em torno R$ 600 milhões.

'Já é dinheiro perdido, porque está num passivo a descoberto'. Ele descarta a saída dos fundos agora, depois que perda já foi zerada nos balanços das fundações.

'Estamos reestruturando porque queremos recuperar o capital. (Agora) não dá pra largar. Teríamos mais despesas ainda para entregar a empresa. No geral, daria mais de R$ 800 milhões', comenta.

Para o presidente da Funcef, as três empresas da holding devem ser vistas sob parâmetros diferentes.

'A Ferronorte é a empresa mais moderna do mundo. Tem padrão Carajás (alusão à moderna ferrovia da Vale do Rio Doce no Pará). Só que quando atravessa o rio Paraná e encontra a Ferroban, é uma ferrovia do século 21 que encontra outra do século 19.'