Título: Ver para crer
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/04/2005, Notas & Informações, p. A3

Se cumpridas, as regras que o governo fixou para a elaboração e execução do Orçamento da União para 2006 terão efeitos práticos importantes, em geral positivos, especialmente para os contribuintes. Essas regras, a principal inovação do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) enviado pelo governo ao Congresso na sexta-feira, impõem um teto para a arrecadação tributária e para os gastos correntes do governo federal e ainda fixam a meta de superávit primário (receita menos despesas, excluídos os gastos com juros da dívida pública) de 4,25% do PIB para os próximos três anos.

Tem forte conotação político-eleitoral a fixação de regras tão rigorosas. Se as cumprir integralmente, o governo terá demonstrado que entendeu o clamor da sociedade contra o aumento dos impostos e dos gastos públicos, e poderá apresentar esse trunfo ao eleitorado em 2006. Se não o fizer, o que só saberemos com segurança em 2007, isto é, depois da eleição presidencial, as novas regras não terão passado de um artifício para iludir o eleitorado.

Aparentemente, os objetivos do governo são louváveis. Uma das inovações da LDO é o estabelecimento de um teto para a carga tributária federal, de 16% do PIB, que deverá ser observado até 2008.

Desde sua posse, o governo Lula dizia que não promoveria novo aumento da tributação, mas se desmentiu com a edição da Medida Provisória 232, que corrigia a Tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, como era necessário e justo que se fizesse, mas também impunha tributação maior sobre empresas prestadoras de serviços. A derrota fragorosa que sofreu nesse caso ensinou-lhe alguma coisa. O governo entendeu, afinal, que a sociedade não tolera novos aumentos da carga tributária. E parece ter entendido também que palavras não bastam para convencer os contribuintes, especialmente quando ele próprio trata de desmenti-las na prática, como ocorreu no episódio da MP 232. Achou necessário, por isso, transformar o compromisso em lei. É uma garantia para os contribuintes e será ponto importante da plataforma reeleitoral de Lula.

O limite de 16% do PIB foi fixado com base na média dos últimos quatro anos. Foi nesse período que o peso dos impostos sobre a economia atingiu seu ponto mais alto. Isso significa que a meta consagra essa carga tributária recorde. Melhor seria para os contribuintes a fixação de um limite que apontasse para a redução gradual da carga, como reclama a oposição. Tal redução exigiria o corte permanente de uma fatia dos gastos públicos.

Para as despesas correntes o governo fixa um limite de 17%, procurando mostrar à sociedade que vai fazer tais cortes. Essas despesas cresceram muito nos últimos anos. Em 1994, representavam 14% do PIB. Em 2002, alcançaram 17,3%. Caíram em 2003 em razão do forte aperto fiscal no início do governo Lula, mas desde o ano passado estão crescendo. Em 2005, deveriam alcançar 17,8% do PIB se não houvesse cortes. O governo anuncia que, daqui para a frente, a tendência será de queda ou, pelo menos, de estabilização dos gastos correntes como porcentagem do PIB.

Os contribuintes gostariam de acreditar. O exame de alguns números, e até mesmo de uma outra novidade contida no projeto da LDO - a correção integral do salário mínimo pela inflação e o aumento real de seu valor de acordo com o crescimento do PIB per capita -, porém, deixa muitas dúvidas de que será possível conter os gastos correntes, que incluem o custeio da máquina estatal, as despesas com pessoal e os benefícios da Previdência Social.

O aumento automático do salário mínimo pode livrar o governo Lula de uma batalha política anual. Mas essa fórmula resulta em aumentos reais constantes de uma fatia importante dos gastos públicos, os do sistema previdenciário, justamente as que mais pressionam o déficit público. Em 2002, os despesas com a Previdência Social representaram 6,5% do PIB; no ano passado, já subiram para 7,1%. O aumento real e automático do mínimo acelerará o crescimento desses gastos.

Para manter as despesas correntes no limite fixado pela LDO, será necessário cortar mais, e mais profundamente, outros gastos. Terá o governo Lula, cujo ritmo de contratação de pessoal com dinheiro público tem sido assustador, coragem para fazer isso? Essa é a grande dúvida a respeito da consistência das novidades contidas na LDO.