Título: As atribulações do PT
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/04/2005, Notas & Informações, p. A3

Na Copa do Mundo de 1958, quando o técnico Vicente Feola terminou de explicar ao fantástico craque Garrincha a jogada que ele deveria fazer para que a seleção brasileira marcasse gols e derrotasse a seleção da União Soviética, o saudoso ponta-direita carioca fez uma pergunta ainda hoje repetida, com ironia, numa variedade de situações: "Já combinamos com os gringos?" A cândida inquietação de Garrincha se aplica, por exemplo, às tentativas do ministro da reeleição, José Dirceu, de promover um grande acerto com o PMDB para liquidar a disputa presidencial de 2006 já no primeiro turno. Há uma diferença, porém. No caso, falta combinar não só com "os gringos", divididos como sempre, mas sobretudo com o time da casa - o PT. Nos sonhos do titular do Gabinete Civil, em vários Estados de peso, mas não em São Paulo, os petistas se conformariam em abrir mão das candidaturas a governador, ficando com a vice em chapas com os peemedebistas. A intenção óbvia é levar o PMDB a arquivar a decisão de concorrer ao Planalto com candidato próprio, que seria, com toda a probabilidade, o populista Anthony Garotinho. Não que Lula tema ser batido pelo ex-governador fluminense. O receio é que ele receba os votos que assegurariam ao presidente a projetada vitória na rodada inicial. Pois na seguinte - um inevitável confronto plebiscitário entre Lula e o anti-Lula das oposições - poderá "dar a zebra" que tanto se teme no futebol.

Em 1998, Fernando Henrique conseguiu reduzir o elenco de adversários, induzindo o PMDB a não lançar candidato. Mas, se naquela ocasião houvesse necessidade de um arranjo similar ao que o ministro Dirceu forceja para construir, é duvidoso que os tucanos resistissem a ele como os petistas, hoje. Devem-se contar nos dedos os filiados influentes na agremiação ou mesmo no governo que admitam considerar, por exemplo, a hipótese de o PT apoiar a reeleição do peemedebista Germano Rigotto, no Rio Grande do Sul, ou a eleição de quem o atual governador (e candidato ao Senado) Joaquim Roriz, também do PMDB, indicar no Distrito Federal. Nos dois casos, há muita mala sangre acumulada.

Sintomaticamente, o número um do PT cearense, deputado José Nobre Guimarães, irmão do presidente petista José Genoino, disse ao jornal Valor que a legenda deveria apoiar o PMDB em pelo menos cinco Estados e só em oito lançar candidatos próprios. Mas se bate para que o Ceará seja um deles, ao contrário do que planeja o irmão. Pela fria lógica do poder, o PT não teria por que insistir em ser cabeça-de-chapa em Estados onde nenhum dos seus desponta como favorito e onde lhe seria proveitoso compor-se com o PMDB (ou, eventualmente, com outras siglas) em torno de um nome de fato viável. Ainda mais se o pacote incluir um peemedebista para vice de Lula, com uma possível candidatura José Alencar ao governo mineiro (com um vice do PT).

Dois fatores jogam contra a realista política de entregar os anéis. O primeiro é que o crescimento do partido multiplicou o número de quadros com ambições pessoais, e o triunfo em 2002 aguçou os seus apetites. Três petistas (Aloizio Mercadante, João Paulo Cunha e Marta Suplicy) são pré-candidatos em São Paulo. Três ministros (Miguel Rossetto, Olívio Dutra e Tarso Genro), no Rio Grande do Sul - e por aí vai. O segundo fator são as mal disfarçadas mágoas com o presidente Lula, por ter aposentado, sem um debate formal interno, plataformas históricas da agremiação. Indício disso foi decisão da pequena facção Movimento PT, que está mais para o centro do que para a esquerda, de lançar uma candidata contra Genoino, no pleito para o comando do partido.

No encontro do grupo, Dirceu tornou a dizer que "2006 não será um passeio" e advertiu: "Não adiante reclamar. Pode fazer cara de purgante. Se não fizer aliança, (o PT) não governa o Brasil, nem ganha eleição de novo." A coligação para a reeleição enfrenta ainda uma dificuldade institucional. É a chamada verticalização, incluída na legislação em 2001, segundo a qual as alianças eleitorais nos Estados não podem discrepar da que se fizer para o Planalto. O PT oposicionista foi contra essa "camisa-de-força", como dizem os críticos, sob o argumento de que ela foi adotada para favorecer o tucano José Serra. Agora, o PT trabalha para impedir que o dispositivo seja derrubado por emenda constitucional, como quer a maioria dos políticos.