Título: CFM exige Boletim de Ocorrência para fazer aborto
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/04/2005, Vida &, p. A16

O Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu ontem uma nota recomendando aos médicos a exigência do Boletim de Ocorrência (BO) antes de realizar o aborto no caso de gravidez resultante de estupro. A orientação contraria uma norma técnica divulgada pelo Ministério da Saúde, que dispensa tal documento. Com a decisão do CFM, o ministério se vê praticamente isolado nessa questão. Para tentar superar a derrota, um grupo dentro da pasta estuda uma alternativa. Entre as possibilidades, está a criação de um instrumento jurídico que substituiria o Boletim de Ocorrência, como um documento assinado pelo médico, sua equipe e paciente no próprio serviço de atendimento. A intenção do ministério é que com tal documento médicos estejam livres de uma eventual acusação. O presidente do CFM, Edson de Oliveira Andrade, afirma que a decisão do conselho é definitiva e deverá ser transformada numa deliberação. "Ao dispensar o Boletim de Ocorrência, médicos ficariam suscetíveis a uma ação penal", afirmou. Andrade lembrou que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, havia alertado sobre esse risco, assim que a medida foi anunciada.

Andrade fez elogios à política de atenção à mulher vítima de violência e observou que a dispensa do Boletim de Ocorrência constitui apenas um item de tal programa. "Mas se há o reconhecimento de que o aparato policial do Estado é incompetente ou constrangedor à vítima, o melhor é melhorar tal sistema", afirmou. Ele lembrou que a não punição do agressor deixa a vítima sujeita a novos atos de violência. "Sabemos o quanto é comum casos que ocorrem dentro de casa", observou.

Embora o Ministério da Saúde afirme que manterá sua posição sobre o assunto, a tendência é que médicos sigam a orientação do CFM. E, com isso, a norma vire letra morta. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) havia sugerido ao Ministério da Saúde a criação de um mecanismo para proteger médicos dispostos a dispensar o BO. O ministério havia admitido estudar a questão.

A decisão do CFM é o segundo revés sofrido pelo Ministério da Saúde em menos de dez dias. Semana passada, o ministro da Saúde, Humberto Costa, adiou a discussão sobre a criação de regras para internar pacientes em leitos da UTI.

REFORÇO

Ontem, Costa garantiu, no Rio, que não vai recuar da decisão de dispensar o BO para a realização de aborto em casos de estupro, apesar da orientação do Conselho Federal de Medicina. Segundo ele, poderão até ser feitas mudanças no documento "Atenção Humanizada ao Abortamento", mas o item sobre o BO será mantido, já que, ressaltou ele, a exigência não está prevista no Código Penal.

O ministro ressaltou que a medida está baseada no parecer de uma equipe de juristas do governo federal e deixou claro que a intenção é apenas prestar um melhor atendimento à mulher. "É óbvio que não é papel do Ministério da Saúde acobertar qualquer ato ilegal. Estamos preocupados com a saúde da mulher. Foi isso o que norteou a norma".