Título: Brasil pode apoiar Lamy à OMC
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/04/2005, Economia, p. B6

A desistência de sua candidatura à direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) lançou o governo brasileiro a uma situação de xeque-mate. Pretenso líder dos países em desenvolvimento que defendem a abertura mais ampla do comércio agrícola na OMC, o Brasil tende agora a apoiar justamente o candidato que mais simboliza a preservação dos mecanismos de proteção e de subvenção ao setor - Pascal Lamy, o francês que ocupou o cargo de comissário europeu para o Comércio até novembro passado, que conta com todo o apoio da União Européia. Observadores e diplomatas afirmaram ao Estado que o apoio a Lamy vem sendo considerado com atenção pelo Itamaraty. Uma vez bem negociada com a União Européia, essa seria a única alternativa para o governo brasileiro à abstenção. De acordo com essa lógica, melhor seria apostar as fichas no candidato com mais chances de vitória, que poderá render um diálogo fluido e respeitoso nesta fase decisiva da Rodada Doha de liberalização do comércio. Com a retirada da candidatura do embaixador Luiz Felipe Seixas Corrêa, chefe da missão do Brasil na OMC, o governo brasileiro teria como opção outros dois outros nomes, ambos rejeitados de antemão.

O primeiro deles é o uruguaio Carlos Pérez del Castillo, que se tornou uma espécie de inimigo visceral do chanceler Celso Amorim por ter apresentado uma minuta de acordo agrícola para a Rodada Doha da OMC que sintetizavam as demandas da União Européia e dos Estados Unidos. O palco desse atrito foi a conferência ministerial da OMC em Cancún, em setembro de 2003, que terminou em fracasso e deu origem ao G-20, o grupo de economias em desenvolvimento liderado pelo Brasil que demanda maiores concessões dos países ricos na liberalização agrícola.

O outro candidato rejeitado pelo governo brasileiro é o ministro das Relações Exteriores das Ilhas Maurício, Jaya Krishna Cuttaree. Apesar de contar com o apoio de boa parte dos países africanos, o nome de Cuttaree está associado à preservação da política de preferências comerciais européias a suas ex-colônias. No ponto de vista do governo brasileiro, sob a condução do chanceler das Ilhas Maurício, a OMC tenderia a concluir a Rodada Roha sem os avanços pretendidos na eliminação de subsídios e outros esquemas tortuosos do comércio agrícola que, supostamente, favorecem os países africanos.

LIDERANÇA REGIONAL

Durante os cinco meses de campanha em favor do embaixador Seixas Corrêa, o governo brasileiro conseguiu dimensionar o seu grau de liderança regional. O Brasil não obteve o respaldo de nenhum país de sua pretensa zona de influência - a América do Sul - a seu candidato. Na América Latina, apenas o Panamá votou no brasileiro, segundo informou o próprio Amorim.

Entretanto, no meio diplomático, essa frustração está longe de ser associada à figura de Seixas Corrêa, experiente diplomata que alcançou o topo da carreira, o posto de secretário-geral das Relações Exteriores no governo de Fernando Henrique Cardoso, e foi indicado pelo ex-presidente para Genebra. O fiasco se deveu à estratégia equivocada da cúpula do próprio Itamaraty, conforme fontes ouvidas pelo Estado.

O nome de Seixas foi lançado tardiamente, apenas em novembro passado, quando Pérez del Castillo já havia se consolidado como candidato do Mercosul e da América do Sul e angariado os apoios dessas e de outras economias em desenvolvimento. Além disso, seu lançamento nessa disputa foi movido por razões viscerais - a oposição ao uruguaio e a outro brasileiro que tinha todas as condições para vencer a disputa, o ex-ministro das Relações Exteriores da gestão FHC, Celso Lafer.