Título: Relatório reforça hipótese de tumor
Autor: Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/04/2005, Nacional, p. A10

Relatório escrito pelo médico particular de Tancredo Neves, Renault Mattos Ribeiro, em abril de 1985, obtido com exclusividade pelo Estado, reforça a possibilidade de ter sido um tumor, e não diverticulite, a causa da morte do presidente. Sem mencionar nenhuma fraude com o laudo, o documento descreve a euforia que agitou o centro cirúrgico do Hospital de Base de Brasília quando teria sido identificado o abscesso do divertículo de Meckel, considerado mal menor. O médico, porém, diz que o material parecia um tumor. "De repente, um alívio na sala e um movimento geral de satisfação", afirma Mattos no relatório, enviado ao então presidente da Câmara, Ulysses Guimarães (PMDB), em 31 de maio de 1985. Ele lembra que alguém soltou a expressão que, naquele momento, alegrou a equipe de cirurgiões. "Divertículo de Meckel. É um divertículo de Meckel abscedado." "Os médicos se abraçavam. Antes isso que uma apendicite supurada! Mas, embora a peça se encontrasse no local onde costumam existir divertículos de Meckel, tinha o aspecto de um tumor, do tamanho de uma pêra. Antes de ser encaminhada à anatomia patológica, achamos interessante mostrá-la à família. A primeira-dama dona Risoleta a viu com os filhos."

Ao longo das 23 páginas do relatório, Mattos descreve a resistência do paciente em ser operado antes da posse, marcada para 15 de março de 1985, e diz que o presidente cogitou só fazê-lo no dia 17, por causa de uma recepção. O médico também conta que ministros chegaram a reclamar que, num dos boletins médicos e em entrevista sobre o estado de saúde do presidente, mencionara "pequenas alterações respiratórias". Foi acusado de, com o comportamento, causar "pânico geral" e gerar momentos de "grande intranqüilidade" à Nação.

"Estranhei", recorda Mattos, "que apenas uma meia-verdade fosse capaz de causar tanto problema ao País. Porque, a rigor, o presidente tinha estado muito mal naquela manhã (17 de março de 1985), quando fora necessário o emprego de recursos especiais para evitar sua morte. Pediram-me para voltar ao encontro da imprensa e desmentir a notícia. Não concordei. O dr. Pinheiro (da Rocha), que chegava, concordou em fazê-lo."

O relatório de Mattos é parte do acervo de Ulysses no Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas.

Mattos inicia sua narrativa às 23 horas de 12 de março de 1985, quando recebeu telefonema do secretário particular e neto do presidente, Aécio Neves, dizendo que o Tancredo não se sentia bem. No dia seguinte, foi à Granja do Riacho Fundo. Tancredo não evacuava havia dois dias e meio, o que não era comum. Num exame, apresentou forte dor no baixo ventre, do lado direito. "O local já apresentava sinais de irritação."

O médico conta que disse a Tancredo Neves que precisaria examiná-lo num hospital, mas o presidente se recusou a ser internado. Ele afirma ter dito ao paciente que estavam diante de uma "emergência cirúrgica": suspeitava de apendicite aguda. No dia seguinte, Tancredo foi examinado por Pinheiro da Rocha e o diagnóstico foi confirmado. Houve nova recomendação de internação, mais uma vez recusada pelo presidente, que afirmou que "de modo algum (poderia) deixar de tomar posse no dia 15".

Em exames, radiografias mostraram "uma massa de volume apreciável, com grumos no seu interior sugerindo a presença de um abscesso".

"O dr. Tancredo recusou-se mais uma vez", conta o médico. "Despediu-se e foi para a sua residência, na Granja do Riacho Fundo. No dia seguinte, houve novos exames. Havia pronunciada elevação dos leucócitos (glóbulos brancos, cujo crescimento indica infecção)", conta. Houve nova recomendação de internação, de novo recusada por Tancredo, que argumentou, inclusive, que tinha que ir a uma missa, às 18h.

À noite, Aécio telefonou, dizendo que Tancredo passava muito mal. Com Pinheiro, o médico particular foi para o Riacho Fundo. O presidente tivera violenta dor no abdome e apresentava crise de bacteremia: calafrios, febre, taquicardia, crise hipertensiva, cianose. Ele disse a Tancredo que precisava interná-lo. Nova recusa. Acabaram convencendo-o.