Título: Coveiro ainda guarda 'relíquia' do enterro
Autor: Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/04/2005, Nacional, p. A10

A morte de Tancredo Neves, o civil que inaugurava um novo ciclo democrático, após duas décadas de regime militar, resultou num dos maiores funerais da história do País. Centenas de milhares de pessoas foram às ruas de São Paulo, Brasília e Belo Horizonte para acompanhar o esquife. Em São João del Rei, terra natal do presidente, uma multidão se despediu do político mineiro. Mas entre as autoridades que se apertavam para acompanhar o enterro no cemitério São Francisco de Assis, um personagem anônimo ganhou súbita notoriedade. João Aureliano dos Santos, de 56 anos, ainda guarda o que considera uma relíquia daquele momento histórico: a colher de pedreiro que utilizou para fazer o sepultamento de Tancredo. Na noite de 24 de abril de 1985, durante quase meia hora, o trabalho do coveiro foi presenciado em silêncio e transmitido ao vivo pela TV. Na manhã seguinte, a colher já era objeto de polêmica e João Aureliano, conhecido na cidade como João Mão de Onça, passou a ser alvo de reportagens em diversos jornais e revistas. Segundo ele, durante a madrugada, um sacristão da paróquia recebeu uma oferta para vender o utensílio, ao preço de R$ 8 mil - valores de hoje.

"Quando eu cheguei, às 7h30, para arrumar a igreja, o síndico me pediu a colher para colocá-la numa redoma de vidro. Disse para ele que a colher era minha. Ele disse que eu era empregado da igreja. Tive de provar que nunca fui empregado da igreja, sempre fui autônomo e a colher me pertence. Está comigo até hoje", conta.

Duas décadas depois, João Aureliano deixa claro que seu objetivo é mesmo vender o utensílio e construir uma casa com o dinheiro. "Por qualquer dinheiro eu não vou soltando não. É peça para museu". Ele, que vive de bicos, garante que guarda a colher, ainda suja com a massa usada para vedar o túmulo do presidente em uma agência bancária da cidade. Sempre desconfiado, para mostrar a "relíquia", João Aureliano costuma solicitar - inclusive aos jornalistas - o pagamento de "cachê".