Título: Congresso destitui presidente do Equador, que obtém asilo do Brasil
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/04/2005, Internacional, p. A11

O Congresso do Equador destituiu ontem o presidente Lucio Gutiérrez, depois de duas semanas de intensos protestos, e empossou no cargo o vice-presidente Alfredo Palacio. Alvo de uma ordem de prisão, Gutiérrez abandonou o Palácio de Carondelet de helicóptero, refugiou-se na embaixada brasileira em Quito e pediu asilo ao Brasil, informou o Itamaraty no início da noite, acrescentando que o governo brasileiro estava tomando providências para recebê-lo (ler na pág. 12). A embaixada em Quito confirmou a decisão de conceder asilo. A destituição de Gutiérrez por "abandono de cargo" foi aprovada por 60 dos 62 deputados - dos 100 do Congresso, de maioria opositora - que se reuniram em um prédio próximo ao do Legislativo. Horas depois, alguns manifestantes invadiram o edifício, agrediram vários deputados e pediram sua renúncia e também a de Palacio. O novo presidente tentou acalmar a multidão. "Acabou a prepotência, governarei com vocês", disse Palacio aos manifestantes - que, depois de cinco horas, permitiram sua saída do edifício.

Pouco depois, em entrevista coletiva no Ministério da Defesa, Palacio - um cardiologista de 66 anos que recentemente se havia afastado de Gutiérrez - disse que pretende realizar uma consulta popular e convocar uma Assembléia Constituinte para promover "uma reestruturação profunda do Estado".

A resolução do Congresso foi precedida pela retirada de apoio das Forças Armadas a Gutiérrez, um coronel que liderou um golpe de Estado em 2000 contra o presidente Jamil Mahuad, mas chegou à presidência nas eleições de 2002 (ler ao lado). O deputado opositor Ramiro Rivera disse que o abandono de cargo foi declarado porque "ele desconheceu a Constituição e interveio em outros poderes do Estado, sem respeitar sua independência". Após a destituição, o comando das Forças Armadas anunciou seu apoio à sucessão constitucional e pediu calma à população.

A ordem de prisão contra Gutiérrez foi emitida ontem mesmo pela Promotoria do Equador, por "flagrante delito" com relação aos últimos acontecimentos que levaram à sua destituição. Cecilia Armas, promotora-geral do Equador, ordenou o início de um julgamento penal contra o ex-presidente e pediu à polícia de imigração que o impedisse de deixar o país. O aeroporto internacional de Quito foi fechado e dezenas de manifestantes chegaram a cercar um pequeno avião, acreditando que o ex-presidente estava dentro dele. A promotoria também ordenou a prisão do deposto presidente Abdalá Bucarám, que voltou este mês ao Equador após oito anos de exílio no Panamá depois que a Suprema Corte equatoriana o livrou, no final de março, da acusação de corrupção.

A oposição política e a população já estavam enfurecidos com a destituição, em 28 de dezembro de 27 dos 31 juízes da Suprema Corte e sua substituição por simpatizantes do governo. O veredicto do novo tribunal máximo foi o estopim dos intensos protestos que tomaram conta de Quito e depois se estenderam a outras partes do país.

Ontem, as manifestações de protesto converteram-se em marchas de celebração após a queda de Gutiérrez, que ocorreu logo depois da destituição do presidente do Congresso, Omar Quintana, um aliado próximo do ex-presidente.

Nas ruas centrais de Quito e nas imediações do Palácio de Carondelet, os manifestantes saudavam os soldados, enviados para conter os protestos que deixaram dois mortos e dezenas de feridos. A Cruz Vermelha informou que três pessoas morreram nas manifestações de ontem - uma mulher que sofreu uma grave lesão na cabeça e dois homens baleados. Na terça-feira, o jornalista chileno Julio García, de 58 anos, morreu de parada cardiorespiratória após inalar gás lacrimogêneo.

O prefeito de Quito, Paco Moncayo, havia decretado na terça-feira o estado de emergência para evitar confrontos, que mesmo assim ocorreram em diversas partes da capital. Milhares de indígenas vindos de várias províncias reuniram-se em Quito para manifestar seu apoio a Gutiérrez.

Antes da destituição houve cenas de extrema violência, ao ponto de supostos seguidores de Gutiérrez dispararem de sedes ministeriais contra a multidão que pedia sua saída, em meio a atos de vandalismo. Gutiérrez não conseguiu conter os protestos, apesar de ter suspendido a polêmica Suprema Corte do país na sexta-feira.