Título: Brasília faz 45 anos com jeito de 400
Autor: Leonencio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/04/2005, Cidades, p. C4

Brasília completa hoje 45 anos, consolidada como centro do poder político do País e mergulhada nos mesmos problemas urbanos e sociais das metrópoles quatrocentonas do litoral. No fim dos anos 50, Juscelino Kubitschek proclamava que Brasília abrigaria 500 mil pessoas. Menos de meio século depois, já são 2 milhões de moradores, sem contar 1 milhão de pessoas que vivem nos municípios goianos e mineiros do chamado Entorno do Distrito Federal. E o número continua aumentando. A maranhense Francinete Alves Ferreira, de 23 anos, chegou à cidade há três meses. Ela ganha R$ 240,00 como vendedora numa feira clandestina na margem do Eixo Monumental, perto da Esplanada dos Ministérios. "Tudo é difícil, os amigos são poucos e o custo de vida é caro, mas nada que se compare com minha cidade, Barra do Corda." No Maranhão, Francinete ganhava R$ 70,00. Ela vive de aluguel em São Sebastião, uma das cidades que surgiram para abrigar especialmente migrantes do Nordeste.

Governador pela quarta vez, a terceira pelo voto direto, Joaquim Roriz (PMDB) criou mais de dez cidades em seus mandatos. "Ele (Roriz) apostou numa capital grande, abrindo novos espaços", afirma o professor de geografia da Universidade de Brasília (UnB) Aldo Pavani. O geógrafo diz que o maior temor era a favelização de áreas centrais. "Hoje, Brasília é como o resto do País."

Pavani conta que, por falta de condições, as classes baixas foram para as cidades-satélites e, depois, para o entorno, onde os serviços básicos são precários. Adversário de Roriz, o senador Cristovam Buarque (PT) diz que Brasília está dividida. "Convivemos com uma margem de excluídos."

A taxa de desemprego na capital atinge 19,45% da população economicamente ativa, com 228 mil pessoas sem trabalho, segundo o IBGE. Apesar de Brasília ostentar a maior renda per capita do País, R$ 16.361,00, alunos de suas escolas públicas têm o mesmo nível de matemática e redação dos de áreas pobres do Piauí.

PAI E FILHA

Ainda assim, Anna Cristina Kubitschek Pereira, de 38 anos, neta de Juscelino, não troca Brasília por outra cidade. Ela conviveu de perto com o avô na fazenda da família em Luziânia, a 50 quilômetros do Plano Piloto. JK, morto em 1976, viveu os últimos anos numa espécie de exílio na fazenda - a ditadura queria vê-lo longe de Brasília. "A relação dele com a cidade era mesmo de pai e filha. A forma que encontrou para ficar mais perto de Brasília foi comprar a fazenda."

O sentimento de paternidade orgulhosa que JK sentia é fácil de compreender. O Plano Piloto de Brasília foi pensado pelo arquiteto Lúcio Costa para dar qualidade de vida à população. Há parques ecológicos, jardins e equipamentos públicos. Mesmo hoje, existem 120 metros quadrados de área verde por habitante.

A professora de arquitetura da UnB Sylvia Ficher diz que o Plano Piloto ficou mais bonito e melhorou os serviços com o tempo. "Quando cheguei, há 23 anos, a cidade era horrorosa." Ela acha que a capital ganhou com a construção de prédios diferentes dos projetados por Oscar Niemeyer.

Primeira pessoa a nascer na capital, o técnico em orçamento Brasiliano Pereira da Silva, de 45 anos, reclama do trânsito caótico. Afilhado de Juscelino, Silva nasceu às 20h30 do dia 21 de abril de 1960. "Toda cidade grande tem problemas, não tem jeito."