Título: O déficit verdadeiro
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/04/2005, Notas & informações, p. A3

Pode ter surpreendido o leitor a enorme discrepância entre a projeção do déficit da Previdência Social contida no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) enviado ao Congresso Nacional na semana passada e a anunciada pelo ministro da Previdência, Romero Jucá. Pelo projeto da LDO, o déficit da Previdência em 2006 deverá alcançar R$ 43,46 bilhões, enquanto o ministro garante que conseguirá reduzi-lo para R$ 24 bilhões. O rombo previsto no projeto da LDO é 81% maior do que o anunciado pelo ministro. Não é difícil descobrir qual dos dois números - o da LDO ou o do ministro - mais se aproxima da realidade. Para isso, basta ver em que cada um deles está fundamentado.

Por exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, o projeto da LDO contém, nos seus anexos, projeções do déficit previdenciário para este ano, para 2006 e para os anos seguintes, baseadas em cálculos atuariais do próprio Ministério da Previdência. Esses cálculos utilizaram os mesmos parâmetros macroeconômicos que embasaram as demais projeções da LDO para 2006. Entre esses parâmetros estão a evolução da massa salarial, as correções do salário mínimo, o comportamento da inflação e o crescimento da economia brasileira.

Definidos esses parâmetros, os técnicos projetaram, para este ano, um déficit de R$ 38,04 bilhões, valor equivalente a 1,93% do PIB, no Regime Geral da Previdência Social, um pouco acima dos R$ 37,8 bilhões previstos no início do ano. Para 2006, o déficit previsto é de R$ 43,46 bilhões, ou 2,01% do PIB. Há projeções para um período longo e elas apontam para o crescimento contínuo, embora lento, do déficit previdenciário. Assim, em 2010, o rombo corresponderia a 2,05% do PIB; em 2015, a 2,22%; e em 2020, a 2,43%.

Pode-se discordar dos parâmetros utilizados pelos técnicos do governo. Mas não se pode contestar que, com base neles, a evolução das contas da Previdência será essa apontada no projeto da LDO. O periclitante ministro Romero Jucá, entretanto, discorda dessas estimativas. Ele diz que os cálculos atuariais não consideram, e nem podem considerar, providências de natureza administrativa que ele começará a colocar em prática nos próximos dias e serão suficientes para reverter a tendência de crescimento do déficit.

Ele reafirmou que a meta para 2006 é de um déficit de R$ 24 bilhões, como anunciara ao tomar posse, em março. E voltou a dizer que, para conseguir uma redução tão grande do déficit, focará a atuação do Ministério da Previdência no combate às fraudes e à sonegação e na busca de maior arrecadação entre os devedores do sistema.

Toda a sociedade espera mesmo que ele faça isso - se permanecer ministro. É, afinal, dever elementar da autoridade pública cobrar, pelos meios legais disponíveis, as contribuições definidas em lei e zelar pela boa aplicação dos recursos arrecadados. Quanto à promessa de que os resultados surgirão como decorrência do "choque de eficiência" que vai colocar em prática, Jucá sugere que o governo agia com ineficiência na área agora sob sua responsabilidade. Se implantar eficiência no ministério, nada mais fará do que sua obrigação.

Mas convém analisar com cuidado os resultados financeiros prometidos. Jucá cita o total de pouco mais de R$ 80 bilhões que o INSS tem a receber de devedores e sonegadores, para garantir que o déficit pode ser revertido apenas cobrando parte dessa dívida. Mas um exame da lista dos grandes devedores da Previdência é suficiente para revelar que a maior parte desse valor não pode ser cobrada, visto que nela estão empresas falidas ou em estado de virtual falência, e portanto sem recursos para pagar o que devem. Cálculos otimistas indicam que, no máximo, o INSS poderá receber 20% do valor da dívida.

Do combate às fraudes, sobretudo na concessão de auxílio-doença, cujos pagamentos triplicaram entre 2001 e 2004, podem surgir resultados importantes, mas, mesmo assim, muito distantes daqueles anunciados pelo ministro.

Se não houver mudanças profundas na legislação trabalhista, que estimula a informalidade, e nas regras de concessão de benefícios, o déficit previdenciário continuará crescendo, como mostra a LDO. Isso não torna desnecessárias medidas como as anunciadas pelo ministro, mas não se pode aceitar que, por razões meramente políticas, seu impacto seja superdimensionado.