Título: Freio de arrumação
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/04/2005, Nacional, p. A6

Supremo afirma-se como referência de ordem ao suspender intervenção no Rio A sentença unânime do Supremo Tribunal Federal suspendendo a intervenção federal nos hospitais municipais do Rio de Janeiro é mais que uma decisão judicial.

O ato, se bem entendido e absorvido como exemplo, poderia muito bem marcar o início de um processo de organização geral do ambiente institucional, cuja deterioração vem sendo explícita e célere.

Ao proferir seu voto, o ministro ministro Marco Aurélio de Mello fez o raciocínio síntese da questão subjacente à decisão do tribunal. Para ele, o decreto presidencial que em 10 de março determinou a ocupação dos hospitais pelo Ministério da Saúde é um "caso emblemático" que revela "de forma escancarada o momento vivido, de perda de parâmetros".

Na essência, foi a respeito da recuperação de balizas que trataram os dez votantes daquele julgamento, simplificadamente traduzido como a primeira derrota do presidente Luiz Inácio da Silva no Supremo.

Houve isso, mas o STF - cuja razão de ser não é a imposição de derrotas nem a concessão de vitórias ao Poder Executivo - disse mais que isso: marcou um limite e, convenhamos, de forma explícita foi a primeira vez que se tomou tal tipo de providência na história recentíssima da República.

O eleitor havia dado avisos em outubro de 2004, ao não aceitar o vale-tudo reinante na campanha pela reeleição da prefeita Marta Suplicy em São Paulo; a Câmara achou que emitia alertas apostando no quanto pior melhor, mas de qualquer forma na eleição do presidente, em fevereiro último, deu o seguinte aviso aos navegantes palacianos: o poder pode, mas não pode tudo o tempo todo.

Agora o Supremo veio e, de forma a não deixar nenhuma dúvida, demarcou o terreno da legalidade e fez ver ao governo que é dentro dele que terão de transitar suas relações com os adversários políticos nas eleições de 2006.

Durante a votação, os ministros exibiram a ilegalidade do decreto - seja por significar intervenção sem base legal, seja por alegar situação de calamidade não reconhecida pelo tribunal - e desnudaram a intenção propagandística do ato: desqualificar o prefeito e pré-candidato à Presidência pelo PFL, César Maia, como administrador e jogar uma bóia salva-vidas ao ministro Humberto Costa, naquela altura desqualificado em público como gestor.

O caráter político-eleitoral da intervenção já estava exposto pela constatação de que a saúde pública é sofrível em todos os Estados do País e por pedidos de intervenção feitos pelo Ministério Público em sistemas de saúde comandados por políticos aliados - como o governador Joaquim Roriz, do Distrito Federal -, que foram simplesmente ignorados.

Temia-se por causa disso mesmo que o governo federal pudesse repetir o decreto usado no caso do Rio para atingir outros políticos adversários, cujas administrações enfrentassem problemas reais de gestão, passíveis de serem amplificados.

Caso recorrentemente lembrado é o da Febem de São Paulo e suas constantes rebeliões que, mais dia menos dia, poderiam ser alvo de interferência por parte do Ministério da Justiça com o intuito de atingir o governador e também integrante das lista de possíveis candidatos a presidente em 2006, Geraldo Alckmin.

Esse tipo de tática de desqualificação, com a sentença dada pelo Supremo, não poderá mais fazer parte do arsenal de guerra da reeleição.

Mas a saúde pública no Rio continuará servindo de arena para as brigas entre o Planalto e a prefeitura.

Ao intervir, o governo federal quis denotar eficiência frente à ineficácia da prefeitura. Agora, César Maia certamente não perderá a oportunidade de fazer o confronto inverso, dando aos dois hospitais que recebeu de volta um alto padrão de atendimento.

Com isso, ressaltará o contraste com a situação dos hospitais federais - agora impedidos de usar equipamentos e funcionários da prefeitura - onde também impera a carência e a desorganização.

Há uma corrente no governo federal que comemora a decisão judicial porque ela dá ao ministério uma justificativa para sair do Rio sem desgaste e fazendo pose de herói. Embora cínica, não deixa de ser uma solução.

De efeito discutível, porque poderá ser atropelado pelo roteiro da volta por cima, segundo o qual os hospitais municipais retomados, Souza Aguiar e Miguel Couto, seriam transformados em unidades-modelo a serem exibidas à comparação pública.

Candidato-Já

A bancada federal do PT do Rio de Janeiro apressa-se e prepara para os próximos dias o lançamento de um manifesto em favor da candidatura própria para o governo do Estado em 2006.

Os deputados indicarão que sua preferência é pelo nome do ex-deputado federal Wladimir Palmeira, preterido na eleição de 1998 por causa de uma aliança com Anthony Garotinho, imposta pela direção nacional do PT. Na ocasião, o diretório regional havia escolhido Wladimir.

Ninguém no partido fala isso abertamente, mas essa urgência toda no preparo da manifestação em favor da candidatura petista tem relação direta com a intenção de Ciro Gomes de disputar a vaga ao Palácio Guanabara.