Título: Brasil é alvo de protestos por ter concedido asilo a Gutiérrez
Autor: Lourival Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/04/2005, Internacional, p. A7

O Brasil foi alvo ontem de protestos no Equador por ter decidido dar asilo ao ex-presidente Lucio Gutiérrez. Apesar disso, o embaixador do Brasil em Quito, Sérgio Florêncio, disse não acreditar que a decisão brasileira resulte em maiores hostilidades contra o País. Gutiérrez, destituído na quarta-feira pelo Congresso, permanecia até ontem à noite na residência do embaixador, à espera de um salvo-conduto do novo governo equatoriano para seguir para o Brasil. Em entrevista coletiva, o novo chanceler, Antonio Parra Gil, confirmou que o salvo-conduto seria concedido, em obediência à Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático, de 1954. Mais tarde, porém, pareceu recuar, dizendo que o governo 'estudará com a maior boa vontade' a concessão de salvo-conduto. Para muitos equatorianos, ao abrigar Gutiérrez na residência do embaixador e conceder-lhe asilo, o Brasil está ajudando a garantir a impunidade do ex-presidente, destituído na quarta-feira em meio a denúncias de corrupção e de violação dos princípios democráticos, depois de ter dissolvido a Corte Suprema. A Fundação Octaedro, uma organização não-governamental, distribuiu mensagens eletrônicas ontem convocando para o boicote aos produtos brasileiros no Equador. Cerca de cem pessoas se aglomeravam ontem à tarde em frente à residência do embaixador, no bairro de classe média alta de La Floresta, protestando contra a concessão do asilo. 'Lula amigo, não lhe dês asilo', dizia um cartaz dos manifestantes. Outro comparava Gutiérrez, de 48 anos, ao ex-presidente Fernando Collor, que também sofreu um processo de impeachment, em 1992. A embaixada, situada num prédio comercial a dez minutos da residência, estava protegida por cerca de 60 soldados da polícia de choque. Mas a situação era calma ontem em Quito. As centenas de manifestantes indígenas pró-Gutierrez, que protestaram contra sua destituição na quarta-feira, já voltaram para suas casas, na região leste do país. 'Durante sete dias houve manifestações em Quito contrárias ao presidente, sendo que a manifestação que antecedeu a decisão de seu afastamento foi maciça e violenta e resultou na morte de um jornalista chileno', ponderou o embaixador. 'Então, é preciso entender que a reação é em grande medida à própria figura do presidente, não uma reação especificamente contra a decisão brasileira.' De acordo com o embaixador, o asilo foi concedido, em primeiro lugar, porque é 'uma tradição da diplomacia brasileira' desde a promulgação, pelo País, da ONG equatoriana pede que produtos brasileiros sejam boicotados Convenção de Caracas, em 1957. 'É um instrumento jurídico, não político, e não significa qualquer juízo de valor com relação ao asilado', argumentou Florêncio. 'O objetivo brasileiro ao conceder o asilo foi o de contribuir para o processo de paz social num país que vive uma crise político-institucional de extrema gravidade.' Florêncio reuniu-se ontem à noite com o novo presidente equatoriano, Alfredo Palacio. Ao sair do encontro, indicou que o salvo-conduto para Gutiérrez poderia demorar para sair. 'Essas coisas não se resolvem tão rapidamente quanto as pessoas esperam', afirmou. Antes de reunir-se com Palacio, o embaixador conversou com Parra Gil, com o vice-chanceler Edwin Johnson e com o novo comandante da Força Aérea, brigadeiro Ayala. Médico cardiologista, Palacio visitou o Brasil há cerca de dois anos, para conhecer o Sistema Único de Saúde e os programas de prevenção, que ele pretendia implantar no Equador. O embaixador contou que recebeu um telefonema do próprio Gutiérrez por volta das 15 horas de quarta-feira, pedindo o asilo e dizendo que sua 'integridade física estava ameaçada'. Florêncio então consultou o Itamaraty e ligou de volta a Gutiérrez, com a resposta positiva. O ex-presidente, um coronel da reserva que liderou um golpe em janeiro de 2000, tendo sido depois eleito democraticamente em novembro de 2002, estava nervoso. 'Hoje, ele está mais calmo, alimentou-se normalmente', contou o embaixador.