Título: As eleições diretas do PT
Autor: José Genoino
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2005, Espaço Aberto, p. A2

O Partido dos Trabalhadores (PT) está dando início a um processo de debates que terá seu desfecho na realização de eleições diretas internas, em setembro, de todas as direções do partido. Nenhum outro partido no Brasil e, ao que se sabe, poucos partidos no mundo têm processos similares de escolha democrática de suas direções tão abrangentes como esse que será realizado pelo PT. Os mais de 800 mil filiados terão direito de participar. Para a disputa da direção nacional do PT deverão inscrever-se quatro ou cinco chapas, com um número mais ou menos correspondente de candidatos à presidência do partido. Ao contrário de expressar uma divisão, este número de chapas e de candidatos é revelador da pluralidade interna do PT - um dos principais fatores de seu vigor e de sua força militante. Não seria nem conveniente nem desejável para o debate, para a energia e para a força do PT que suas eleições diretas internas se reduzissem à configuração de uma única chapa e de um único candidato a presidente. Trata-se de um equívoco de alguns analistas da política, portanto, estabelecer um sinal de igualdade entre os conceitos de pluralidade e de divisão, em face desta diversidade interna do PT.

A centralidade do debate versará sobre os rumos estratégicos do Brasil e o programa que o PT pretende sustentar para governá-lo. Este debate não interessa apenas aos militantes do PT, mas também à opinião pública. Por isso, pretendemos realizá-lo de tal forma que todos os setores interessados da sociedade possam, de alguma forma, interagir com o debate do PT. Na democracia, nenhum partido pode ter a pretensão de definir sozinho quais são os rumos estratégicos de um projeto para o Brasil. Mas, na medida em que são os partidos que elegem os governantes pelo voto popular, cabe a eles a responsabilidade principal de organizar os processos e os debates que resultam na definição de programas de governo.

Com a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002 o PT passou a viver uma transição interna que deverá ser concluída com as eleições das direções e com o encontro nacional do partido e, partindo do acúmulo alcançado até agora, com a reforma de seu programa. A natureza da transição interna que o PT vive se define pela necessidade de assumir uma cultura de governo, uma responsabilidade de governo e um programa de governo. É preciso ter consciência de que a natureza da cultura, da responsabilidade e das ações de um partido de oposição são diferentes da natureza da cultura, da responsabilidade e das ações de um partido de governo. Num contexto de mudança de uma posição de oposição para uma posição de governo, o programa do partido deve estar incurso numa relação de continuidade e mudança.

Um partido político, além de sua elaboração teórica, apreende a realidade também pela sua prática. Ao assumir o governo no início de 2003, o PT passou a assimilar um novo processo de aprendizagem, que deve ser consolidado agora por meio dos debates, das eleições internas e do encontro, que definirá novos parâmetros programáticos. É esta a transição interna que o PT está processando. A forma como esta transição é compreendida não se distribui de forma igual na militância, nas lideranças políticas, nas correntes organizadas e nos dirigentes do partido. Trata-se de um processo marcado por dúvidas e questionamentos, naturais em qualquer experiência de aprendizagem e mudança. Mas, de modo geral, podemos dizer que a grande maioria dos petistas está construindo um caminho de confluências nesta transição interna e que as dissensões estão sendo pequenas, dados a magnitude e o significado da mudança.

É importante notar ainda que, nesta transição, o que está em debate no PT é o seu enfoque programático, não os seus valores, os seus objetivos gerais e a sua alma de esquerda. Os valores da justiça, da solidariedade, da liberdade e da igualdade estão sendo reafirmados. Os objetivos de levar o Brasil para um caminho de desenvolvimento com geração de emprego e distribuição de renda e de reduzir a pobreza e promover a integração social também estão sendo reafirmados. E todos os petistas estão dizendo que o PT é um partido de esquerda porque luta por mais eqüidade social e econômica, por uma sociedade justa e porque está ao lado dos mais necessitados, dos trabalhadores, dos assalariados em geral e de todos os empreendedores que comungam a responsabilidade de construir um Brasil próspero e justo.

A tarefa do PT agora consiste em incorporar ao ideário programático do partido os avanços que foram consignados na experiência de ser governo. Mas, na medida em que o governo e a sociedade têm muitos desafios para elevar o Brasil à condição de um país forte, próspero e justo, o PT precisa fazer um debate sobre os caminhos estratégicos, um debate sobre o futuro.

Com 25 anos de existência, com forte enraizamento nos movimento sociais, ampla experiência no setor público e após dois anos e quatro meses no governo federal, o PT está sendo convocado a desenvolver mais intensamente suas capacidades e melhorar a qualidade de sua contribuição ao Brasil. E a forma de fazê-lo consiste em definir os parâmetros e as diretrizes capazes de levar o nosso país ao desempenho de um papel relevante no contexto global e de garantir o bem-estar para o seu povo. Estas definições só serão possíveis se debatermos o futuro do Brasil e os caminhos para alcançá-lo. É este salto de qualidade que o PT está convocado a dar.