Título: Segurança ameaçada
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2005, Editoriais, p. A3

A decisão do governo de determinar ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a aplicação de até R$ 400 milhões na Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) afasta um dos graves problemas da empresa, que ameaçavam a continuidade de diversas obras e o cumprimento dos prazos para a adoção de normas internacionais de segurança. Mas não resolve todos.

Com os recursos do BNDES, a Infraero poderá executar as obras de ampliação e modernização de aeroportos programadas para este ano e já iniciadas. Mas esse não era o único problema financeiro da Infraero. Igualmente grave é a necessidade de atingir as metas de desempenho fixadas pelo Ministério da Fazenda como parte de sua política fiscal, e que implicam cortes substanciais de investimentos com recursos próprios.

A atuação firme do Ministério da Fazenda na busca de superávits fiscais tem garantido o crescimento da economia, mas a rigidez quase obsessiva com que sua equipe técnica passou a impor metas a todos os setores do governo, inclusive empresas estatais, muitas vezes sem levar em conta as especificidades de cada um deles, começa a tornar-se nociva em alguns casos, como o da Infraero.

A direção da empresa vem negociando com o Ministério da Fazenda, até agora sem êxito, a exclusão da Infraero da lista das estatais obrigadas a cortar seus investimentos para ajudar a gerar superávits neste ano. De acordo com decreto de março último, a Infraero deve contribuir com R$ 128,45 milhões do resultado a ser alcançado pelas estatais em 2005. Não é um valor exagerado, se comparado com os principais números do balanço da empresa relativo a 2004. No ano passado, ela obteve uma receita bruta de R$ 1,64 bilhão.

Mas é um equívoco examinar o caso apenas comparando números. A questão não se resume a dados financeiros. Envolve programas em plena execução e, sobretudo, compromissos que o País precisa atender, em termos de segurança e controle do tráfego aéreo, para não ser marginalizado pelas empresas internacionais.

A Infraero é responsável pela administração de 66 aeroportos e 81 estações de apoio à navegação aérea e está presente em todos os Estados brasileiros. Os aeroportos por ela administrados respondem por 97% do movimento de transporte aéreo regular do País, o que, em 2004, correspondeu a 1,8 milhão de pousos e decolagens e o transporte de 83 milhões de passageiros e 1,8 milhão de toneladas de carga. A empresa tem obras em andamento nos aeroportos de Goiânia, Maceió, Vitória, São Paulo e Rio de Janeiro. Sua paralisação, além de retardar a oferta de serviços mais adequados aos usuários desses aeroportos, acabaria impondo custos financeiros adicionais que, mais cedo ou mais tarde, terão de ser pagos.

Esses argumentos têm sido ineficazes para convencer os técnicos do Ministério da Fazenda a rever a meta imposta à Infraero. Se não aplicar os recursos previstos para este ano em equipamentos de segurança, o Brasil corre o risco de não cumprir integralmente as normas internacionais definidas pela Organização de Aviação Civil Internacional (Oaci), agência da Organização das Nações Unidas (ONU). Essas normas foram definidas após os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos e devem entrar em vigor em 1.º de janeiro de 2006.

Em julho, a Oaci deverá realizar uma auditoria das condições do Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, no Rio de Janeiro. Todos os principais aeroportos brasileiros, em especial aqueles nos quais operam aeronaves que fazem vôos internacionais, deverão dispor, em 2006, de equipamentos capazes de fotografar o conteúdo das bagagens e verificar a composição química do que está sendo embarcado.

A Infraero tem como fontes de receitas as tarifas dos serviços prestados aos usuários dos aeroportos, o aluguel de seus armazéns e as rendas decorrentes de concessão de áreas de sua propriedade. Seus resultados financeiros têm sido satisfatórios. No ano passado, obteve lucro operacional de R$ 276 milhões. Créditos extraordinários, como o do BNDES, são indispensáveis para a realização dos investimentos previstos. Mas ela precisa também investir recursos próprios para que o Brasil cumpra as normas no prazo determinado. Aeroportos tidos como inseguros afugentam passageiros e cargas.