Título: Debate sobre Angra 3
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2005, Editoriais, p. A3

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) postergou a decisão sobre a construção da Usina Nuclear de Angra 3, objeto de uma disputa política entre os Ministérios de Minas e Energia (MME) e do Meio Ambiente, que são contrários à conclusão da obra, e o Ministério de Ciência e Tecnologia, favorável a ela. A Casa Civil anunciou que está preparando um parecer, recomendando o reinício da obra. Na discussão que se trava dentro do governo, estão sendo analisados tanto os aspectos estritamente econômicos e as preocupações dos ambientalistas com o funcionamento de mais uma usina nuclear como o desenvolvimento tecnológico da indústria nuclear. Pesará, na decisão a ser tomada, o papel que a construção de novas usinas terá no desenvolvimento do programa de enriquecimento de urânio em grande escala para fins pacíficos. Hoje, o País gera muito pouca eletricidade produzida por usinas nucleares. Angra 1, com capacidade de 520 MW, tem sofrido interrupções e nada produziu nos últimos dias. Apenas Angra 2 está produzindo, com base em sua capacidade de geração de 1.080 MW.

O Ministério de Minas e Energia argumenta, contra a conclusão de Angra 3, que o custo da energia nuclear não é econômico e que o Brasil deve antes explorar, ao máximo, seu potencial hidrelétrico e as térmicas movidas a gás natural. Os ambientalistas condenam a energia nuclear, afirmando que não houve avanços tecnológicos suficientes para reduzir consideravelmente os "riscos intrínsecos" de acidentes com reatores, como declarou o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Claudio Langone. E adicionam à crítica a dificuldade - não apenas brasileira, mas mundial - de armazenar "rejeitos nucleares".

O fato é que, em um número crescente de países, ressurge o interesse pelas usinas nucleares, como forma de equilibrar os custos crescentes do petróleo e de gerar energia limpa, que não polui. Nada menos de 17% da eletricidade gerada no mundo é produzida em usinas nucleares. Isto ocorre tanto em pequenos países, como a Lituânia, onde 80% da geração elétrica é nuclear, e a República Eslovaca (55%), como em grandes potências industriais como a França, onde esse porcentual chega a 77%, Suécia (45%), Japão (31%), Alemanha (30%), Reino Unido (23%) e Estados Unidos (21%).

Merece atenção o artigo de Nicholas D. Kristof, de The New York Times, reproduzido na semana passada pelo Estado, que salienta o ressurgimento do interesse pelos investimentos em energia nuclear, virtualmente paralisados, nos Estados Unidos, nas últimas três décadas. Prova disso é que três usinas nucleares norte-americanas - North Anna, em Virginia; Clinton, em Illinois; e Grand Gulf, no Mississippi - pediram permissão à Comissão de Regulação Nuclear para instalar novos reatores e a agência reguladora deverá autorizar o pedido em 2006, como esclarece o conceituado Bulletin of the Atomic Scientists.

"Contrastando com outras fontes, a energia nuclear não produz gases com efeito estufa", escreveu Kristof. "Várias propostas para novas usinas estão avançando - e isto é bom para o mundo em que vivemos." A demanda global de energia - argumenta ele - deverá crescer 60%, nos próximos 25 anos, conforme as análises da Agência Internacional de Energia (IEA) e "a energia nuclear é a mais limpa e a melhor aposta para suprir essa falta". É verdade que as instalações não são absolutamente seguras - do que são exemplos os acidentes em Three Mile Island, nos Estados Unidos, e em Chernobyl, na Rússia -, mas estão sendo feitos grandes progressos no desenho dos chamados reatores "intrinsecamente seguros". Além disso, afirma Kristof, as usinas nucleares "provaram ser mais seguras do que as alternativas (...), a maior fonte de energia dos Estados Unidos agora é o carvão, que mata cerca de 25 mil pessoas por ano por causa da fuligem que fica no ar".

O Brasil já investiu US$ 700 milhões em Angra 3, nota o ministro de Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos. Estes recursos terão sido perdidos se o governo não adicionar, agora, o R$ 1,8 bilhão que falta para concluir a usina. Ainda que o custo da energia fornecida por Angra 3 seja mais elevado que o das usinas hidrelétricas, o País não deve dispensar nenhuma possibilidade de aumento da geração de eletricidade, tendo em vista a situação atual de escassez de investimentos e as perspectivas de crescimento da demanda. Com as precauções necessárias, o País deve levar adiante o programa nuclear.