Título: Serviço de proteção à família
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2005, Nacional, p. A6

O ânimo da Câmara dos Deputados em proibir a nomeação de parentes de ocupantes de funções públicas para cargos em comissão arrefeceu-se de forma acentuada, agora que a comissão especial encarregada de levar adiante o assunto está prestes a ser instalada. Na próxima quarta-feira, os deputados começam discutir como transformar a série de propostas que tramitam na Casa numa única emenda constitucional restringindo, ou mesmo vetando, a contratação de parentes.

As resistências antes localizadas nos partidos e políticos de pensamento mais retrógrado no que tange à separação entre a coisa pública e os entes privados, agora chegaram ao PT. Ou seja, ganharam força e sustentação no partido do governo.

O líder do PT na Câmara, deputado Paulo Rocha, começou a defender posições e a construir raciocínios que certamente contariam com a assinatura do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, um bem disposto arauto do nepotismo.

Paulo Rocha simplesmente inverte os valores contidos na idéia da rejeição ao parentesco como atributo de admissão de alguém ao serviço público e diz o seguinte: "Assim como não pode haver discriminação de cor ou sexo, parente não pode ser discriminado."

No entender do nobre deputado, pertencente à esquerda do partido, o parente de uma autoridade não pode ser beneficiado, mas também não pode ser prejudicado por isso. Quer dizer, não pode perder o direito a integrar a lista de contratações do familiar, a menos que seja uma cavalgadura.

Como se vê, o debate começa com evidentes sinais de que a Câmara está com uma vontade louca de recuar daquele arroubo moralizador que acometeu suas excelências dias atrás, no auge das reações às exorbitâncias de Severino Cavalcanti na defesa dos parentes, entre os quais o filho recém-nomeado para o Ministério da Agricultura em Pernambuco.

Pela opinião do líder do PT entende-se perfeitamente que começa a ser montada na Câmara uma rede de proteção ao parente desamparado, com vistas a barrar qualquer possibilidade de se aprovar a proibição com ponto final.

A única medidas, aliás, que faz sentido. Porque se é para restringir mais ou menos - "com limites" , como quer o petista -, a permissão permanecerá. O argumento de Paulo Rocha peca por meramente sofismático.

Quando se fala em proibir a contratação de parentes, a filosofia não é a de deixar brechas para beneficiar uns ou outros, nem os mais competentes. Trata-se de tentar cumprir o princípio da impessoalidade no serviço público e de nada mais.

Ora, um profissional competente dispõe de qualificação suficiente para trabalhar em qualquer posto a qualquer tempo e não precisa ocupar um determinado cargo exatamente quando, ou onde, um parente tem poder de influência porque isso por si se configura um privilégio.

O meio-termo pretendido pelo líder do PT simplesmente não existe. Antes que o debate assuma esse rumo de meias palavras e verdades misturadas a falácias conviria, a fim de evitar perda de tempo, a dissolução da comissão acompanhada de um pedido de desculpas pelo impulso passageiro e o aviso de que não há interesse em barrar o acesso ao serviço público pela via do parentesco.