Título: Grupo critica governo, mas não aceita abrir mão de cargos
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2005, Nacional, p. A6

BRASÍLIA - Maior facção de esquerda dentro do PT, a Democracia Socialista vive uma situação difícil: apesar de fazer críticas contundentes à atual política econômica, rompeu com sua matriz, na França, justamente por causa do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A crise com o Secretariado Unificado, organização internacional que abrigava a tendência antes mesmo do surgimento do PT, começou em 27 de fevereiro, quando resolução da cúpula mundial sobre a situação brasileira recomendou aos "camaradas" a entrega dos cargos no governo Lula. "Depois da experiência destes dois anos (...) não há mais dúvidas de que a ocupação de postos no governo Lula, seja no nível ministerial, seja em outras funções com responsabilidades políticas, é contraditória com a construção, no Brasil, de uma alternativa coerente com nossas posições programáticas", diz um trecho da resolução do comitê da 4.ª Internacional - ou Secretariado Unificado.

Na Esplanada dos Ministérios, o representante da DS - sigla pela qual a facção trotskista ficou conhecida - é o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, que, um dia depois da resolução, não escondeu a contrariedade com o corte de R$ 2 bilhões no orçamento de sua pasta. "Nenhuma política do ministério será preservada e teremos de rever as metas de todos os programas", reclamou Rossetto.

Na época, a declaração foi interpretada como um recado para o público interno. Motivo: no item 4 do texto está dito que, diante da orientação do governo petista, considerado "incapaz de resolver os problemas da pobreza" e de se "confrontar com o imperialismo", os ministros de esquerda são "meros fiadores ou reféns de uma política geral que não é a sua".

A resolução também atacou as principais medidas econômicas e sociais do governo que, no diagnóstico da organização, inscrevem-se no "quadro fixado pelos mercados financeiros e pelas instituições internacionais, assim como por seus aliados do capital financeiro brasileiro". Não é só: para se contrapor ao argumento da esquerda de que o PT é um partido em disputa, o documento sustentou que "estes dois anos mostram (...) que a dinâmica interna de sua política (de governo) não pode ser modificada".

STALINISMO

Irritados com o ultimato, dirigentes da Democracia Socialista enviaram carta ao Secretariado Unificado avisando que não aceitavam imposições. "Não temos tradição stalinista e, portanto, não recebemos ordem de cima para baixo", protestou o deputado Walter Pinheiro (PT-BA), um dos importantes integrantes da tendência no Congresso. "Uma corrente internacional, ainda que quisesse aprovar uma posição crítica à administração Lula, deveria discutir primeiro conosco."

Na avaliação de Pinheiro, o alinhamento do ponto de vista ideológico não dá ao Secretariado Unificado o direito de mandar a DS sair ou não do governo. "Quem decide o que a seção brasileira da 4.ª Internacional vai fazer somos nós. O que nos levou a participar da DS foi justamente o significado de suas duas letras. Não se pode pregar democracia socialista e praticar autoritarismo", insistiu.

Por discordarem do método como os "camaradas" tentaram enquadrar a corrente no Brasil, que tem raízes no Rio Grande do Sul, os dirigentes da DS não mandaram representantes ao encontro da facção, realizado recentemente em Amsterdam, na Holanda. "Dissemos a eles que compreendíamos a importância das relações internacionais, mas deixamos claro que a razão da existência da nossa tendência é o PT", disse Pinheiro.

PSOL

O comitê internacional, porém, observou divergências na DS sobre estratégias de ação, que desembocaram na criação do PSOL. O novo partido foi formado pela senadora Heloísa Helena (AL) e pelos deputados Luciana Genro (RS) e João Batista de Araújo (PA), o Babá. Os três entraram em confronto com o governo por causa da reforma da Previdência e foram expulsos do PT em dezembro de 2003. Levaram com eles muitos quadros da DS. Heloísa Helena era uma das principais integrantes da facção e Luciana já havia integrado a corrente.

"Em uma situação marcada por esta divisão e por riscos de novas fragmentações, o comitê internacional se pronuncia pela manutenção de relações com todos os componentes da 4.ª Internacional no Brasil (...), na perspectiva da construção de uma política alternativa ao governo Lula", destaca o último trecho da resolução, de 7 tópicos. De lá para cá, nenhuma palavra. A troca de correspondências acabou.