Título: Governador insiste que só negociação pode aliviar crise
Autor: Vasconcelo Quadros
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2005, Nacional, p. A8

BOA VISTA - Passado o primeiro impacto do decreto que homologou a reserva indígena de 1,747 milhão de hectares em terras contínuas, a polêmica em torno da Raposa Serra do Sol se transfere agora para a política e Judiciário. "A demarcação é fato. O que nos resta é lutar por alterações adjetivas", disse o governador de Roraima, Ottomar Pinto (PTB). Ele vai contestar a decisão do governo no Supremo Tribunal Federal (STF) e voltará a Brasília terça-feira para tentar convencer os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Márcio Thomaz Bastos (Justiça) da necessidade de retomar a negociação sobre as demandas de Roraima para superar a crise. Um dos aliados do governador nessa guerra será o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), que já prometeu apoio irrestrito. "Ele disse que coloca na pauta de votação a proposta (um decreto legislativo que já contaria com mais de 300 assinaturas) para anular o decreto de Lula", conta.

O governo estadual tem três reivindicações básicas: a permanência da população branca que mora nas vilas Socó, Mutum, Água Fria e Surumu, manutenção das fazendas que ele chama de Polígono do Arroz e a devolução ao Estado de 4 milhões dos 7 milhões de hectares de terras agricultáveis que estão nas mãos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). "Fora disso não há solução e Roraima vira um Estado indígena", afirma Ottomar.

Apesar do clima hostili alimentado pela ala mais radical dos plantadores de arroz, ele assegura que tudo será conduzido sem violência. "Não somos um exército de Brancaleone", diz, ao referir-se às propostas de reação e desobediência ao decreto de Lula, pregadas pelo prefeito de Pacaraima, Paulo Cesar Quartiero, o mais exaltado. A possibilidade de conflito preocupa índios favoráveis e contra a homologação, fazendeiros e o governo estadual. Ottomar já ouviu sugestões das mais radicais - como a de comandar a resistência -, mas tem agido como bombeiro.

A presença da Polícia Federal, controlando e revistando quem passa pelas barreiras, tem funcionado como inibidor de ações radicais dentro da reserva. A preocupação de quem conhece a área, no entanto, é com a possibilidade de multiplicação de conflitos quando começar a retirada da população branca (cerca de 650 pessoas espalhadas pelos vilarejos) e for proibido o trânsito de quem não pertencer à comunidade indígena.

DIVERGÊNCIAS

As divergência entre os próprios índios vão exigir uma ação de pacificação. "Nós vamos conversar com nossos parentes. Eles estão sendo manipulados. Um dia vão entender que a terra é mãe, um direito e atende todo o nosso projeto", diz Marinaldo Justino Trajano, o índio macuxi - a maior etnia - que coordena o Conselho Indigenista de Roraima (CIR), responsável pela luta que resultou na homologação. No lado oposto estão os arrozeiros, uma entidade chamada Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima (Sodiur), comerciantes e empresários de Boa Vista e o governo do Estado.

Surpreso com a homologação, Ottomar se diz "frustrado" e afirma que levou "bola nas costas" de Lula, que não teria cumprido um acordo pelo qual antes do anúncio oficial ele e a bancada federal seriam comunicados. "O diálogo foi interrompido bruscamente. O presidente não cumpriu o que havia 'apalavrado' conosco", afirma.

Ele garante que todos os levantamentos antropológicos excluem da reserva mais de 200 mil hectares (os arrozeiros plantam cerca de 15 mil e reivindicam o controle sobre 100 mil) e afirma que o governo federal não tem um laudo técnico que dê suporte ao 1,747 milhão definidos no decreto. Segundo o governador, a Fundação Nacional do Índio (Funai) não conseguirá substituir a infra-estrutura de saúde, educação e outros serviços que o governo estadual mantém na área e deve retirar se não houver negociação. "Ao contrário do que promete o governo, os arrozeiros não serão indenizados", prevê.