Título: Processo retarda saída de Gutiérrez
Autor: Lourival Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2005, Internacional, p. A9

QUITO - O governo equatoriano teria concedido ontem à noite o salvo-conduto para que o ex-presidente Lucio Gutiérrez e sua família sejam trazidos para o exílio no Brasil, afirmou o chanceler brasileiro, Celso Amorim. Em declarações ao Jornal da Globo, Amorim disse que o embaixador brasileiro em Quito, Sérgio Florencio, tinha acabado de passar-lhe a informação pelo telefone. Mas o governo equatoriano não fez um pronunciamento público imediato sobre a concessão do salvo-conduto. A concessão do asilo político a Gutiérrez causou um impasse diplomático entre o Brasil e o Equador. Apesar das exortações de Florencio, o novo governo equatoriano hesitava em conceder o salvoconduto. Florencio chegou a ir ao Palácio Carondolet na noite de quinta-feira tentar convencer o presidente a deixar Gutiérrez ir embora logo, mas, na ocasião, saiu de mãos vazias.

O novo ministro de Governo (equivalente ao chefe da Casa Civil), Mauricio Gándara, já admitira que, pela Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático (1954), o Equador estaria obrigado a permitir a saída a são e salvo de Gutiérrez, uma vez que ele obteve o asilo diplomático do Brasil.

Mas o chanceler Antonio Parra Gil ponderava que pesa uma ação penal por corrupção contra o expresidente, aberta pela procuradora-geral interina, Cecilia Armas. 'É preciso estudar isso com a melhor boa vontade', argumentou o chanceler. 'Vamos tomar todo o tempo necessário.' Gutiérrez refugiou-se na residência do embaixador a partir da tarde de quarta-feira, quando foi destituído pelo Congresso, depois de uma semana de manifestações em Quito que deixaram dois mortos. Além das denúncias de corrupção e nepotismo, Gutiérrez é acusado de violar a Constituição, por ter dissolvido a Corte Suprema.

´NÃO SOU LADRÃO´

Falando por telefone com partidários, o ex-presidente disse ontem que sua destituição é que foi inconstitucional. 'Sem que eu tenha abandonado o cargo, (congressistas) me tiraram da presidência', afirmou. 'Não sou ladrão, estava cobrando as dívidas dos ladrões, e por isso me tiraram.' Ele pediu que seus partidários 'fiquem unidos e não percam a fé'. As declarações, feitas na residência do embaixador, foram gravadas pelo jornal La Hora e divulgadas pela TV.

O clima é desfavorável para o salvo-conduto. Os equatorianos já assistiram a dois presidentes fugindo do país depois de serem derrubados em meio a convulsões sociais: Abdalá Bucaram, em 1997, e Jamil Mahuad, em 2000. Não querem ver a história repetir-se. A casa do embaixador brasileiro, no bairro de classe média alta de La Floresta, passou o dia vigiada por cerca de cem manifestantes, dispostos a impedir a saída de Gutiérrez. Num sinal dessa disposição, manifestantes golpearam o carro de Florencio ontem à noite, quando o embaixador e seu motorista tentavam deixar sua residência, e forçaram o veiculo a entrar novamente na casa. O embaixador não foi atingido.

De manhã, o empresário Cesar Vallejo estacionou seu Mercedes-Benz diante da residência. Era uma resposta a uma declaração de Gutiérrez, que, no início das manifestações, dia 13, dissera que um grupo de 'foragidos de Mercedes e BMW' tinha ido perturbar a tranqüilidade de sua família, em frente a sua casa. 'Vim buscar esse foragido para levar para a cadeia', explicou.

Vallejo, 54 anos, trabalha com comércio exterior, inclusive com o Brasil, e não acha que a concessão do asilo vá atrapalhar as relações diplomáticas e comerciais bilaterais. 'O Brasil não tem nada a ver com isso, como país, como economia', disse ele. 'Logicamente o Brasil não tinha como lhe negar o pedido.' Nem todos demonstram tanta compreensão. 'Gutiérrez era um bom cliente do Brasil', diz Hugo Becerra, de 67 anos, aposentado pelo Ministério das Finanças. 'Foi por isso que lhe concederam o asilo', afirma ele, citando contratos com a Petrobrás e com empreiteiras brasileiras. 'É uma vergonha que um governo que se diz progressista como o de Lula dê asilo a um sem-vergonha, traidor, corrupto e antidemocrático', indigna-se Mario Ramos, historiador do Centro Andino de Estudos Estratégicos. 'É a antítese do que defende o Partido dos Trabalhadores.' Para o advogado Cristof Baer, o governo brasileiro se precipitou. 'O Brasil se pôs numa situação muito difícil', disse Baer, de 39 anos. 'Agora fica difícil voltar atrás. Mas é o que deveria fazer.' Florencio tomou a decisão após falar com 'colegas' no Itamaraty, mas sem consultar Amorim, por exemplo. A decisão foi baseada na tradição brasileira de aceitar esse tipo de pedido, na real ameaça à integridade física de Gutiérrez, segundo sua avaliação, e no desejo de contribuir para a redução das tensões.