Título: Precipitação em conceder asilo criou situação política delicada
Autor: Ana Paula Scinocca
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2005, Internacional, p. A12

BRASÍLIA - A decisão de conceder asilo político ao ex-presidente do Equador Lucio Gutiérrez e de enviar um avião da Presidência da República para buscá-lo pôs o governo Luiz Inácio Lula da Silva em uma situação delicada. Apressadas, na avaliação de fontes do próprio governo, essas iniciativas deixaram o Palácio do Planalto refém da própria afobação. Até a noite de ontem, a concessão do asilo a Gutiérrez confrontava-se com a ausência de um salvo-conduto para garantir o translado do ex-presidente, de sua família e do embaixador do Brasil em Quito, Sérgio Florencio, até a Base Aérea. Dali, os Gutiérrez embarcariam no Boeing 737, o conhecido Sucatinha, rumo a Brasília. Ainda débil, o novo governo equatoriano se via no dilema de se livrar o mais rápido possível da presença de Gutiérrez no país e o peso político de autorizar sua saída, uma vez que responde a um processo por corrupção. No Palácio do Planalto e no Itamaraty, o imbróglio começou na manhã de quinta-feira, quando surgiu a informação de que o governo equatoriano concederia rapidamente o salvo-conduto. Convencido de que não haveria impedimentos políticos para a operação de resgate de Gutiérrez, o presidente Lula autorizou o Ministério da Justiça a conceder o asilo territorial - que permitirá sua permanência no Brasil por um período mínimo de dois anos - e também o envio do Boeing 737. Somente depois dessas ordens, o governo equatoriano deu mostras de que o salvo-conduto não sairia tão facilmente e Lula tomou ciência do processo de corrupção que Gutiérrez respondia em seu país.

A decisão do governo de hospedar Gutiérrez e sua família em uma casa do Exército gerou insatisfação e preocupação nos círculos militares. Fontes das Forças Armadas consideraram correto conceder-lhe asilo político, mas viram como um exagero tratá-lo como um hóspede especial e alojá-lo em uma vila militar.

Nos círculos militares e políticos, há preocupação também com a suposta amizade de Lula com Gutiérrez e com a extrapolação da atenção e dos benefícios conferidos pelo governo brasileiro ao presidente deposto. Ambos se encontraram três vezes somente no final de 2004.

TRADIÇÃO BRASILEIRA

A concessão de asilo ao deposto presidente Gutiérrez é uma "tradição brasileira", segundo justificou ontem o vice-presidente da República e ministro da Defesa, José Alencar. Ele disse não temer qualquer desgaste para o Brasil por causa da iniciativa. "O asilo não significa tomada de posição, nem qualquer partidarismo a favor do presidente exilado." Alencar, que participou de solenidade no Rio, disse que o governo brasileiro não pode julgar o presidente deposto. "Pode haver várias acusações contra ele, mas espero que não sejam verdadeiras", disse.