Título: Amorim: destituição não seguiu 'a letra da Constituição'
Autor: Ana Paula Scinocca
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2005, Internacional, p. A12

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse ontem em São Paulo ter visto inconstitucionalidade na deposição do presidente do Equador, Lucio Gutiérrez. Na sua avaliação, a maneira como Gutiérrez deixou o comando de seu país não está de acordo com a Constituição equatoriana. "Na análise que tenho, acho que (a deposição) não foi de acordo com a letra da Constituição", comentou. "O que vou dizer agora não justifica o que aconteceu, mas, de certa forma, coloca em contexto. Havia uma situação de crescente fragilização, de enfraquecimento da constitucionalidade do Equador que, de algum modo, facilitou para que isso acontecesse", prosseguiu Amorim, em entrevista coletiva.

O chanceler afirmou ainda que o fato de o governo brasileiro ter concedido asilo político a Gutiérrez "não significa, de modo algum, uma simpatia, preferência ou apoio em qualquer sentido. Ao contrário". Segundo Amorim, o asilo tem como objetivo não só proteger uma pessoa que por motivos políticos se sente perseguida ou ameaçada, mas também contribuir para a paz social daquele país, já que, segundo ele, a permanência do presidente deposto no Equador poderia causar ainda mais agitação.

O ministro indicou ainda que o salvo-conduto teria sido dado ao Brasil e, posteriormente, teria havido recuo das autoridades do Equador. Os equatorianos, segundo Amorim, teriam argumentado que o salvo-conduto poderia causar maior convulsão social. "Mas entendemos também que a demora tem efeito negativo", observou. "Trapalhada não houve nenhuma", destacou (ler ao lado). Amorim esclareceu que o asilo político foi determinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após Gutiérrez ter feito o pedido por carta, se comprometendo em seguir o estatuto do asilado, que proíbe manifestações políticas.

Depois de conversar com o presidente Lula, o secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, informou aos jornalistas que o governo brasileiro pediu ao equatoriano mais segurança à Embaixada do Brasil em Quito e aos seus funcionários, assim como ao avião e à tripulação que irão buscar Gutiérrez.

O secretário-geral, tentando abster-se de opinar sobre a deposição de Gutiérrez, acabou contradizendo afirmação de Amorim, sobre a Constituição do Equador. "Não fazemos essa avaliação, pois essa é uma questão de competência dos juristas equatorianos."