Título: Exigência arbitrária
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2005, Editoriais, p. B3

Os responsáveis pelo setor educacional do governo do PT acabam de dar mais uma exemplar demonstração de inépcia e autoritarismo. Desta vez, o problema ocorreu com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que, apesar de ser optativo, sempre teve grande credibilidade entre os estudantes na faixa etária dos 16 aos 18 anos, por avaliar seu grau de preparo para participar dos vestibulares das universidades mais concorridas e por autorizar instituições de ensino superior a levar em conta, em seus processos seletivos, as notas obtidas nesse teste.

Para se ter uma idéia da aceitação dessa prova pelos estudantes do ensino médio, para este ano são esperados cerca de 2,5 milhões a 2,8 milhões de candidatos. Em 2004, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o órgão do Ministério da Educação (MEC) responsável pelo Enem, registrou 1,5 milhão de jovens que se submeteram, voluntariamente, ao Enem.

A confusão começou quando, pela primeira vez na história do Enem, o MEC exigiu de cada candidato, como condição de inscrição, seu número de registro no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas (CPF) - legalmente exigível, apenas, para a realização de operações financeiras. A alegação é que essa exigência permitiria maior rapidez no processamento das inscrições, além de impedir fraudes. Ocorre que, embora a Secretaria da Receita Federal informe em seu site que esse número é concedido até 48 horas após sua solicitação, na prática a demora muitas vezes é superior a uma semana.

Com isso, o prazo de 4 a 15 de abril fixado pelas autoridades educacionais para a inscrição no Enem, por parte dos alunos que ainda estão cursando o ensino médio, revelou-se excessivamente curto. Temendo não conseguir realizar o Enem, os estudantes, com base no protocolo de solicitação do CPF, passaram a consultar diariamente o site da Receita.

Mas, como os computadores desse órgão estão congestionados por centenas de milhares de consultas, até porque este é um período em que muitos contribuintes procuram esclarecer dúvidas relativas ao Imposto de Renda, por via eletrônica, a maioria dos estudantes simplesmente não conseguiu acessar o site do órgão.

Por sua vez, numa flagrante demonstração de insensibilidade e falta de planejamento, as autoridades educacionais se recusaram a receber o protocolo de solicitação do CPF emitido pelas autoridades fazendárias, afirmando que só aceitariam as inscrições para o Enem dos candidatos que apresentassem seu número de registro no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas.

A reafirmação dessa exigência deixou os alunos do ensino médio indignados e causou perplexidade entre os professores, dada a impossibilidade material de se cumprir as determinações do MEC. Diante da confusão generalizada e do risco iminente de se comprometer a aplicação desse importante teste, no penúltimo dia de inscrição para o Enem o prazo foi prorrogado para 6 de maio.

Entre os estudantes esse imbròglio certamente será lembrado como prova inequívoca da autoritária incompetência das autoridades educacionais na gestão do PT. Afinal, o que justifica a exigência de um documento fiscal de quem ainda vive com os pais, não atingiu a maioridade e não tem vida econômica independente?

Ao fechar questão em torno da exigência do número do CPF, numa simples inscrição para um exame optativo no ensino médio, o governo mostrou suas verdadeiras intenções, ainda que com grande inépcia. Há tempos, no Estado brasileiro, defende-se a idéia de se dar um único número a todos os documentos de cada cidadão, em nome da racionalidade administrativa.

Na prática, contudo, graças à revolução tecnológica, essa medida aparentemente inocente pode ser letal para as garantias fundamentais, pois permite ao poder público controlar rigorosamente todos os atos, decisões e operações financeiras - e de toda espécie - de cada brasileiro, invadindo assim sua privacidade. Só nesse quadro se explicaria a medida que impõe a adolescentes a exigência da apresentação de um documento fiscal, que nem todos precisam ter, em substituição à carteira de identidade, que é documento obrigatório.