Título: Arquitetura de um fato consumado
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2005, Nacional, p. A8

PMDB aposta em eleições primárias para tornar irreversível candidatura própria Começa a ser discutida esta semana no PMDB uma proposta de consulta para a escolha do candidato à Presidência da República em 2006, inspirada no sistema de eleições primárias dos Estados Unidos: de outubro agora a abril de 2005, os postulantes do partido percorreriam o País, submetendo-se ao escrutínio de convenções regionais e, em maio, o mais votado seria consagrado candidato oficial à sucessão do presidente Luiz Inácio da Silva.

A idéia, é óbvio, será bombardeada - com apoio do Palácio do Planalto - pelos pemedebistas adeptos de uma aliança pela reeleição em troca da vaga de vice de Lula. Se aprovada, significará o início do processo de montagem da candidatura própria ainda este ano que, com isso, se torna praticamente um fato consumado.

O maior defensor da proposta - recebida com simpatia pela direção do partido - é o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho, que, não por coincidência, seria também seu maior beneficiário. Enquanto os outros pré-candidatos, como os governadores Germano Rigotto (RS) e Roberto Requião (PR), teriam menos liberdade de movimento pelas restrições inerentes aos cargos, Garotinho está livre para fazer campanha 24 horas por dia.

"Só penso nisso", diz ele, animadíssimo para iniciar a execução de seu projeto eleitoral já no mês que vem. Em maio, o PMDB terá seu programa anual em horário gratuito conferido aos partidos, além de 80 inserções estaduais e 60 nacionais em rádio e televisão, nas quais Garotinho pretende ter participação destacada.

São espaços proibidos para campanha, pois a lei permite nessa fase propaganda partidária e não eleitoral. "Mas o presidente Michel Temer abrirá o programa defendendo a candidatura própria e, quando eu aparecer falando sobre as propostas do partido para o País, será inevitável o eleitor associar as idéias", raciocina Anthony Garotinho, já prevendo um substancial ganho nas pesquisas de opinião feitas após essas aparições.

Na realidade, o projeto de construção da candidatura presidencial no PMDB começará antes de outubro. No mês que vêm o partido iniciará o recadastramento nacional de filiados (hoje são 2 milhões), que irá até agosto e será usado como instrumento de mobilização dos diretórios regionais com vistas à eleição.

Em setembro, os pré-candidatos apresentariam seus nomes ao partido e, em outubro, começariam as campanhas para as primárias. Ao mesmo tempo, o PMDB patrocinaria cinco grandes seminários, um em cada região do País, para recolher sugestões à montagem da plataforma de governo a ser apresentada ao eleitorado na campanha presidencial. O coordenador dessa parte programática é o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa.

Muito bem, mas então como ficam as conversas que o chamado PMDB oposicionista vem tendo com o governo no pressuposto de possível apoio à reeleição de Lula em 2006?

Na cabeça de Anthony Garotinho essa preliminar não está posta nem é levada em conta como parte da pauta de um futuro encontro dele com o presidente da República, mais ou menos acertado entre o presidente do PMDB, Michel Temer, e o Palácio do Planalto.

"Fui sondado para conversar com o José Dirceu, recusei. Com o Lula converso, mas está fora de cogitação qualquer acordo eleitoral." Segundo ele, nem mesmo mediante acertos administrativos que possam favorecer o governo de sua mulher, Rosângela Matheus.

"Resolver questões administrativas é obrigação do governo. Meu ponto de discórdia é com a política econômica e, em relação a ela, na campanha vou dizer que Fernando Henrique Cardoso e Lula são a mesma coisa."

Neste ponto da conversa, cumpre lembrar ao ex-governador que ele recentemente esteve com o ex-presidente e saíram ambos trocando amabilidades políticas. Não haveria aí um embrião de acordo entre oposicionistas?

"De jeito nenhum. Posso até achar que os tucanos são mais eficientes que os petistas, mas projeto eleitoral cada um tem o seu." Apesar disso, existem pontos em comum que, de acordo com Garotinho, não apenas justificam, como tornam imperiosas as tratativas entre os partidos de oposição.

"Concordamos que o PT tem um projeto autoritário e planeja consolidá-lo num segundo mandato. Por isso, a unidade da oposição se justifica, para garantir a existência do maior número possível de candidatos no primeiro turno. Assegurada a realização do segundo turno, aí a gente discute."

Por enquanto, Anthony Garotinho vê como certas as candidaturas do PMDB, do PSDB, do PSOL, do PPS e aposta no lançamento de um nome do PDT. "O PFL deve ficar com os tucanos", diz ele, numa avaliação contaminada por seu desejo de ver o pré-candidato e adversário regional, César Maia, fora do páreo.

A despeito de toda a animação, Garotinho não deixa de contabilizar a hipótese de os governistas conseguirem assumir o controle do partido e aprovar a aliança com Lula.

Aí seu destino provavelmente seria a Câmara dos Deputados, a desincompatibilização da governadora em abril e a candidatura dela ao Senado - "Rosinha tem 40% numa pesquisa feita pelo PFL." Mas acha a possibilidade remota: "Lula chegará em 2006 numa situação muito difícil e o PMDB não vai querer sucumbir junto com ele."