Título: Nos e-mails para petista, angústia com governo Lula
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2005, Nacional, p. A8

BRASÍLIA-Angustiado com a crise de identidade vivida pelo PT depois de dois anos de governo Lula, o deputado Chico Alencar (RJ), do bloco parlamentar de esquerda, decidiu copiar um modelo patenteado pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP): a enquete com os eleitores. Há pouco mais de um mês, em reunião de avaliação do seu mandato, ele pediu conselhos sobre qual rumo deveria seguir: lutar para mudar o governo Lula ou abandonar o barco petista. O dilema de Alencar sensibilizou o público. A ajuda não veio dos universitários, mas de famosos que lotaram a caixa de entrada de seus e-mails e recomendaram a permanência no partido. O deputado ficou feliz com a solidariedade porque vive o que chama de "encruzilhada" político-partidária.

"O PT é mais ou menos como a Igreja Católica. Dentro dela cabem um d. Eugênio e um d. Pedro Casaldáliga, profeta, poeta e pastor que arrisca sua vida pelos oprimidos; uma Irmã Dorothy e um Severino Cavalcanti. Convivem, apesar da contradição", escreveu o teólogo Leonardo Boff.

Em tempos de novo papa, a referência de Boff chama a atenção. Detalhe: a mensagem foi enviada antes da morte de João Paulo II, mas depois do assassinato da Irmã Dorothy. "O PT pode receber a unção dos enfermos. Não é ainda a situação de extrema-unção", diagnosticou Boff.

De São Félix do Araguaia, o bispo d. Pedro Casaldáliga também mandou o seu recado. "As contradições do PT, e do governo, são bem conhecidas (...), mas temos a obrigação cidadã e cristã de abrir caminhos alternativos. Por princípio, prefiro 'fazer a revolução' estando dentro", pregou o bispo.

Apesar da palavra de conforto diante da agonia, quase todas as mensagens expressaram insatisfação com o caminho seguido. "É triste ver a queda da última legenda que realizou nossas melhores mudanças e carregou um carisma capaz de mobilizações populares emocionantes", observou o compositor Paulinho Tapajós. "Sou um eterno esperançoso, mas, confesso, ando meio desanimado. Que coisa é essa, o poder, que transforma tantos, e não para melhor?", perguntou seu colega Fernando Brant, de Belo Horizonte.

DE MAITÊ A STÉDILE

Os eleitores também manifestaram dúvidas sobre o futuro político fora do PT e aconselharam Alencar a resistir bravamente. "Não é melhor mexer por dentro, mesmo que pareça que você está compactuando com certas contradições?", indagou a atriz Maitê Proença. "Pergunta que lhe faço: para onde ir? Você pode ficar dentro e botar a boca no trombone. Esperar que seja expulso, tornando assim visível a deterioração do partido que se dizia ético", insistiu o escritor Rubem Alves, de Campinas. "A perplexidade é geral e grande. Sair por sair nada resolve", endossou o bispo de Duque de Caxias, d. Mauro Morelli.

Ex-assessor de Lula na mobilização pró-Fome Zero, Frei Betto escancarou as divergências. "A política econômica atual trava as mudanças sociais", comentou. Mesmo assim, deu um voto de confiança ao presidente: "É melhor o Brasil com Lula do que sem ele." Frei Betto escreveu que somente agora está livre para dizer o que pensa. "Só pude fazer as críticas quando saí do governo, que faz muitas coisas boas e mal comunicadas, mas que também comete erros que temos o dever de apontar."

Na mensagem de João Pedro Stédile, do Movimento dos Sem-Terra (MST), a análise é pragmática. "Não devemos ter como referência principal a figura e o papel do Lula", advertiu. "Ele pode ser um aliado, uma pessoa de boa vontade. Mas as mudanças dependem da correlação de forças."

Stédile fez uma avaliação despida de rodeios. "O governo Lula não é de esquerda. É de centro", definiu. Muito além da ideologia, a atriz Lucélia Santos procurou convencer Alencar com poucas palavras. "Não podemos abandonar o barco agora. Quero crer que o sonho não acabou", filosofou ela.