Título: 'Já imaginou médico chamando estômago de bucho?', reage juiz
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2005, Nacional, p. A10

Luiz Beethoven Giffoni Ferreira, juiz titular da 18.ª Vara Cível do Foro Central da Capital, reconhecido pela relevância do trabalho que executa e dedicação à vida forense, escreve um "português castiço", como ele mesmo define. Dia desses, ele sentenciou: "A formalística e inverossímil tese do embargado, nesse sentido, não pode receber o menor acatamento, nunca jamais se olvidando de que essa tese é contra legem (contrária à lei), na medida em que atenta contra um dos princípios do procedimento executivo, de que a execução far-se-á do modo menos gravoso para o devedor, o que de per si, apenas, já assegura o naufrágio dessa fragílima posição. Dizer que o depósito em dinheiro não serve como pagamento, e sim como garantia, é assertiva que afronta o artigo 884 do Código Civil de 2002."

Na parte final, uma anotação em latim: "Nemo potest locupletari detrimento alterius." Tradução: ninguém pode obter indevidamente algum ganho.

Em outra causa, decidiu: "Pelo exposto, declaro com base no artigo 267, incisos IV e VI do Código de Processo Civil, a carência da ação e, por assim concluir, julgo extinto o processo sem julgamento do mérito, ficando indeferida a inicial, com base no artigo 295, ÍII, desse diploma. Condeno o autor às custas."

"Toda ciência tem o seu linguajar próprio", declara Beethoven. "Como a medicina. Já imaginou se estômago começa a ser chamado de bucho pelos médicos? Cada ciência tem a sua tecnicidade."

"Cada segmento tem a sua peculiaridade, seu modo de falar", diz Celso Limongi, desembargador, presidente da Associação Paulista de Magistrados, lembra que decisões de difícil compreensão não são uma exclusividade da toga. "Mistura-se latim com direito romano. Isso é normal. Nossa tradição é romana."

PATRIMÔNIO

O desembargador Carlos Luiz Bianco, da 17.ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, apontado como ínclito magistrado, é famoso pelo texto que aplica em suas decisões.

Aos 64 anos, formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, juiz há quase quatro décadas, Bianco dá a sua opinião. "Entendo que há sensível e evidente diferença entre o manejo do juridiquês e o do puro vernáculo nas lides forenses."

Ele sustenta: "O linguajar extremamente empolado e até mesmo ininteligível deve ser impugnado e combatido pela dificuldade que causa ao jurisdicionado, levando-o por vezes a não apreender o sentido da decisão judicial. Mas o vernáculo deve ser prestigiado e cultivado já que, em suma, representa um dos mais valiosos patrimônios de uma Nação, que é sua língua mater."

Bianco considera que "uma limpeza nos termos técnicos não é questão que pareça das mais acertadas". "Há que se manter uma certa fidalguia da língua, senão vamos cair num rameirão que até tira um pouco da sua majestade e da própria Justiça, algo tão comezinho que é melhor não aprender o português", reitera. Ele diz que "não chega à exasperação de usar linguagem hermética ao grande público, que saia da compreensão do homem normal".