Título: A Previdência, vista por quem já esteve lá
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2005, Nacional, p. A11

A politização do Ministério da Previdência é meio caminho andado para o fracasso da gestão, garante a maioria dos ex-ministros. "Previdência é uma área técnica, é assunto para profissionais", esbraveja Reinhold Stephanes. "A Previdência não dá certo por total irresponsabilidade das elites políticas." Para Antonio Brito, nos últimos 20 anos o PT sempre dizia que os problemas da Previdência não eram resolvidos por falta de vontade política. "Essa questão está resolvida. Hoje o PT gere a Previdência e a gente vê que os problemas não foram resolvidos - nem cabe dizer que falta vontade política. O problema é muito maior do que o PT pensava." Stephanes diz que, nos últimos 20 anos, o PT não admitiu nenhuma mudança e combateu todas as tentativas de aperfeiçoar o sistema. Mas, quando assumiu o governo, politizou o ministério. "As três últimas nomeações, um sindicalista e dois políticos, foram catastróficas", afirma. Carlos Marchi Colaboraram: Vânia Cristino, Wilson Tosta e Elder Ogliari C.M. Falta força para eliminar as fraudes, coragem para acabar com a influência política na gestão, visão para profissionalizar o trabalho e, por fim, descortínio para mudar a estrutura do mercado de trabalho brasileiro e melhorar o volume de contribuição. Esses foram os pontos mais mencionados em diagnósticos feitos para o Estado por 14 dos 15 brasileiros vivos que ocuparam o Ministério da Previdência em diferentes governos, desde 1974.

"Há um problema gerencial gravíssimo, o mercado informal acabou com a contribuição e existem impasses estruturais notáveis", diagnostica o paranaense Reinhold Stephanes. "Em tempos do trabalho informal, da prestação de serviços e do profissional autônomo, a Previdência continua agarrada à carteira de trabalho", identifica o gaúcho Antônio Brito. "A politização do ministério é uma tragédia brasileira", atesta o mineiro Roberto Brant. "Dar seguridade a todos foi muito bonito, mas os resultados foram péssimos", receita o paraense Jarbas Passarinho. "O déficit não tem jeito", afirma o paulista Ricardo Berzoini.

A Previdência cada vez depende mais do milagre. Na década dos 50, havia 8 brasileiros contribuindo para cada aposentado. Essa relação agora se aproxima de 1 para 1. Até boa notícia traz problema: com melhor saúde, o brasileiro está envelhecendo e a expectativa de vida da população tem subido continuamente - era de 68,35 anos em 1999 e chegou a 71,3 em 2003. Cada vez mais os brasileiros recebem aposentadoria por mais tempo. E isso só faz aprofundar o déficit.

Uma mesa redonda entre os ex-ministros para apontar as soluções para a Previdência vai passar longe de um consenso. Stephanes aponta três soluções em uma, juntando saídas estruturais e conjunturais. Para ele, é indispensável resolver os grandes impasses do setor - gerenciamento, mercado informal e problema estrutural.

O paulista José Cecchin pede que sejam igualadas as idades de aposentadoria para todas profissões e entre homens e mulheres, além da aplicação indiscriminada do fator previdenciário. Ele também reclama grandes investimentos na modernização dos sistemas para dar mais confiabilidade aos cadastros. "O IBGE aponta 2,5 milhões de brasileiros com mais de 80 anos e o INSS paga mais de 3,5 milhões de benefícios a octogenários". Pode?"

O gaúcho Amir Lando, recém-demitido do ministério, reconhece que os sistemas informatizados são atrasados: "Um banco não funcionaria daquele jeito." Ele se queixa da autonomia da Dataprev, que não obedece ao ministério. O paulista Antônio Rogério Magri confirma: "Nenhum ministro sabe o que acontece na Dataprev."

O baiano Waldeck Ornelas estimula o investimento na informatização e propõe que os gerentes da Previdência sejam nomeados por critério técnico.

Lando aponta como medida fundamental, além do fim das nomeações políticas, a impermeabilização do cadastro. "Aquilo parece um queijo suíço", diz. "Qualquer um entra lá, enfia gente, tira gente, entra com dados, subtrai dados. Botar a mão no dinheiro da Previdência é uma das coisas mais fáceis do mundo."

DESPERDÍCIO

Berzoini propõe perseguir a modernização do sistema e a melhoria do atendimento à população, tendo como meta o crescimento da base de contribuintes. Para o baiano Waldyr Pires, o desafio é incorporar cada vez mais pessoas à base de contribuintes, impedir o desperdício e combater a fraude.

Para Brito, a saída está na reforma tributária. "Enquanto não fizermos uma reforma séria não há solução para o emprego. E, enquanto não houver solução para o emprego, não há solução para a Previdência", diz. O paraense Jader Barbalho concorda.

Para outro gaúcho, Arnaldo Prieto, os gestores devem encarar a Previdência como "um ministério de longo prazo". E os responsáveis políticos devem se preocupar com a constituição e a blindagem do fundo de reserva dos trabalhadores. "Com isso", atesta, "desarmamos a bomba-relógio".

Passarinho reclama mais rigor na concessão de benesses, que só podem ser dadas mediante custeio definido. Brant oferece uma receita multifacetada, que consta da mudança do mercado de trabalho, abrindo opções para ingressos maciços no trabalho formal, o aperfeiçoamento da profissionalização dos funcionários da Previdência, a continuidade de gestão, independente dos governos e, por fim, a exclusão das aposentadorias rurais da conta previdenciária.