Título: Livro do cardeal critica politização da fé
Autor: Nilson Brandão Junior
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2005, Vida&, p. A23

O papa Bento XVI, quando era apenas o cardeal alemão Joseph Ratzinger, responsabilizou a Teologia da Libertação pelo queda do catolicismo e o avanço de seitas religiosas na última década no mundo e no Brasil, em particular. A análise faz parte de entrevista concedida ao jornalista alemão Peter Seewald, base do livro Sal da Terra, que a Editora Imago decidiu relançar no mercado brasileiro. Nela, o cardeal enfrenta temas polêmicos ao catolicismo, como o aborto, o celibato e o casamento para divorciados, mas não perde a chance de defender - de maneira firme - a tradição e doutrina da Igreja. "Admito que numa discussão pessoal possa reagir de modo duro demais. Mas no que diz respeito ao que fizemos como congregação, creio que mantivemos a medida justa. Quanto à Teologia da Libertação, tivemos de intervir também para ajudar os bispos. Havia o risco de uma politização da fé que a teria impelido para uma partidarização política irresponsável e que teria destruído o que é especificamente religioso. A vasta migração para as seitas está, sem dúvida, ligada a tais politizações", afirma Ratzinger.

Em outra passagem do livro, em resposta a uma questão que trata especificamente do Brasil, o cardeal resume que os mais pobres fugiram da Teologia da Libertação porque não se sentiram atraídos por uma "promessa que era muito intelectual" e sentiram "perda da consolação e do calor da religião". Em recente entrevista ao Estado, o teólogo e escritor Leonardo Boff, importante porta-voz da corrente punido por Ratzinger, revelou que terá "dificuldades em amar esse papa, por causa de suas posições perante a Igreja e o mundo".

PENA DE MORTE X ABORTO

Na entrevista do livro, Ratzinger não foge de assuntos considerados tabus. Questionado sobre o motivo pelo qual a Igreja admite a pena de morte como direito do Estado enquanto opõe-se ao aborto, afirma: ".... quando aplicada de direito, pune-se alguém que é culpado de crimes que se provou serem muito graves e que também representa um perigo para a paz social (...). No caso do aborto, inflige-se a pena de morte a alguém que é absolutamente inocente. São duas coisas completamente diferentes".

Embora reconheça a série de conflitos que cercam a sociedade moderna, como o aumento do número de casamentos desfeitos, Ratzinger prossegue na defesa dos princípios do catolicismo, que prega a indissolubilidade do matrimônio. Sobre a contracepção, diz que "estamos perante uma divisão entre sexualidade e procriação que antes se desconhecia, que torna necessário considerar a relação interior entre ambas". E cita que, independentemente do tema específico, um dos grandes perigos da atualidade é "o fato de também querermos dominar a existência humana com a técnica e de já não sabermos que existem problemas humanos originários que não podem ser resolvidos através da técnica, mas que exigem um estilo de vida e certas decisões de vida".

FORÇA DA INÉRCIA

Ocorrido há oito anos, o encontro com Seewald também tratou de temas como a perspectiva da escolha de papas de outros continentes e possíveis resistências. "Cada um, pelo menos no Colégio Cardinalício, poderia nos imaginar elegendo um africano ou alguém de um país não-europeu. Até que ponto a cristandade européia aceitaria isso é outra questão", afirmou.

Ratzinger reconhece que "também na Igreja a força da inércia é muito grande" e indica a necessidade de uma comunicação melhor. "É, portanto, preciso perguntar como a Igreja pode, ela mesma, gerir sua imagem na opinião pública, em vez de simplesmente criticar os meios de comunicação social", declara.

O cardeal ainda aborda, sempre de forma cautelosa, questões como o Segredo de Fátima, economia global, o convívio com João Paulo II. Logo nas primeiras respostas, Ratzinger conta fatos curiosos sobre a vida no Vaticano. Conta, por exemplo, que os encontros de rotina com o papa não eram precedidos de prece. Iniciavam-se depois de um aperto de mãos, seguido de breve conversa pessoal, e avançavam em torno dos assuntos da pauta, sempre em alemão.

VENDAS

Na prática, o conteúdo do livro é o mesmo da primeira edição, lançada pela Imago em 1997. Desde então, foram vendidos 1.500 exemplares da publicação, considerado pouco para a tiragem total de 10 mil unidades.

Nos dias seguintes à eleição como papa, 6 mil exemplares do livro que permaneciam na editora foram despachados para as livrarias. Gerente da livraria da Vozes no Centro do Rio, Mônica Martins confirma o aumento da demanda de obras sobre o novo papa e já fez contato com a editora. "Agora é hora de vender mesmo." O livro custa R$ 45,00.