Título: O ajuste fiscal permanente
Autor: Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2005, Economia, p. B2

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), enviada na semana passada ao Congresso, é um marco de um novo tempo, que tenta confinar no passado a injusta, inaceitável e insuportável fórmula a que os sucessivos governos têm recorrido para pagar seus exagerados gastos: punir a população com elevação de impostos e aumento da carga tributária. É um teste corajoso que o governo se propõe a cumprir, entre 2005 e 2008, partilhando responsabilidades com o Congresso. É eficaz para o equilíbrio fiscal de longo prazo? Neste momento, sim, mas é preciso começar a migrar para o modelo adotado pelo Chile, propõe o ex-diretor do Banco Central Ilan Goldfajn. Por enquanto, com as novas regras, é como se o governo dissesse: "Basta, assumo o compromisso de não elevar impostos, vou conter despesas e produzir um superávit nas contas capaz de reduzir a dívida pública." E para dar credibilidade e seriedade ao compromisso o governo o pôs escrito na lei, definindo tetos de 16% do produto interno bruto (PIB) para a receita tributária da União, 17% do PIB para despesas e uma meta de superávit primário de 4,25%, que avalia ser suficiente para reduzir gradativamente o valor da dívida/PIB.

Como se dará o compartilhamento com o Congresso? O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernardo Appy, responde: "Caberá ao Legislativo aprovar a LDO. Se quiser expandir despesas no orçamento, terá de assumir a responsabilidade simultânea de aumentar impostos." E como funcionava antes? Ao votar o orçamento, o Congresso superestimava a receita tributária, que nunca se confirmava. Aí, para fechar os números, o ônus político de aumentar impostos para cobrir o buraco era do Executivo. Com metas agora definidas em lei, a esperteza foi eliminada. O teto da receita (16% do PIB) é menor que o da despesa (17% do PIB), porque não inclui arrecadação com contribuições ao INSS (que chegou a 5,3% do PIB em 2004) e outras receitas não-tributárias (2,4% do PIB). Mas o teto das despesas também exclui as transferências para Estados e municípios. No balanço de tudo, foi possível calcular uma meta de 4,25% do PIB para o superávit primário, que, segundo Appy, o governo "quer cumprir com alguma folga para cima, não para baixo".

O Chile tem um sistema diferente, cuja principal virtude é usar recursos públicos para amortecer momentos de depressão econômica e frear, se a economia se mostra em expansão. É o chamado balanço estrutural anticíclico, pelo qual são definidos limites para despesas e a receita vai sendo ajustada de acordo com o desempenho econômico: se a economia aquecer, reduz o gasto e eleva o superávit primário; se desaquece, aumenta o gasto e amplia investimentos públicos. Principal produto do país, o cobre é excluído do cálculo, por se tratar de uma receita incerta, sujeita à volatilidade de preços.

O sistema adotado pelo governo Lula tem efeito contrário, é pró-cíclico: se a economia aquece e a receita cresce, para cumprir o teto o governo devolve a sobra do dinheiro à sociedade, desonerando impostos; se desaquece e a receita cai, comprime despesas.

No modelo chileno, o superávit primário é definido, mas não há enrijecimento para cumpri-lo no ano calendário. Funciona como o núcleo no sistema de metas de inflação. Ao retirar do seu cálculo fatores voláteis e imediatos, o núcleo sinaliza a tendência da inflação no longo prazo e tem a função de evitar que o Banco Central tome decisões erradas, movido pelo impulso de um acontecimento transitório, sem sustentação no tempo. Da mesma forma, o superávit primário anticíclico é flexível no curto prazo e permite retirar efeitos imediatos de seu cálculo, mas não descuida da meta a médio e longo prazos.

Bernardo Appy reconhece virtudes no modelo chileno, mas acha que o País ainda não está "maduro" para aplicá-lo. "Acredito que este ainda não seja o momento para discutir o anticíclico. No longo prazo faz todo o sentido, mas no curto, não, porque temos confiança no crescimento em 2005-2006, é assunto para ser tratado com calma e maior segurança dos indicadores e não é necessário fazer isso agora", justifica Appy.

Ilan Goldfajn concorda em parte. Argumenta que por aqui flexibilidade ainda não combina com credibilidade. Mas defende a idéia de iniciar desde já o debate público, amadurecer a discussão sobre um sistema anticíclico aplicado às condições do Brasil, com o objetivo de aplicá-lo na LDO de 2007. Tetos rígidos, diz ele, são bons no curto prazo, mas enrijecem a política fiscal. "Convém amarrar a mão quando se desconfia que ela vai fazer besteira. Mas é impossível mantê-la todo o tempo amarrada", compara Goldfajn, propondo a migração para um sistema mais racional em relação ao gasto público. E o debate está lançado!