Título: OMC: uruguaio tem apoios no Brasil
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2005, Economia, p. B3

BRASÍLIA-A possibilidade de o governo brasileiro apoiar o candidato europeu para a direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o francês Pascal Lamy, deixou uma parte da diplomacia de cabelos em pé. Com ou sem o apoio do Brasil, a eventual ascensão do ex-comissário para o Comércio da União Européia ao posto máximo da OMC é associada à perpetuação de regras injustas e prejudiciais para os países que mais insistem na liberalização dos mercados. Melhor opção, insistem esses setores do Itamaraty, seria o governo deixar a birra de lado para apoiar e trabalhar pela candidatura do uruguaio Carlos Pérez del Castillo. Levando-se em conta que a Rodada Doha de liberalização comercial entrou em sua etapa final e que seu objetivo principal é o aumento do acesso a mercados, Pérez del Castillo seria o nome com maiores chances de conduzir essas negociações com êxito. "Ele é a favor do multilateralismo, é mais consciente de seu papel como diretor-geral e teria mais condições de facilitar o consenso nos pontos mais delicados da Rodada Doha", afirmou uma fonte da diplomacia.

Pesa contra o uruguaio o fato de ter apresentado uma proposta de texto-base para a rodada que refletia as posições dos Estados Unidos e da União Européia, na conferência de Cancún, em setembro de 2004. Esse impasse quase levou à bancarrota a própria Rodada Doha. Para a mesma fonte, esse escorregão o fará caminhar com mais cuidado como diretor-geral.

A segunda fase de consultas aos 148 países membros da OMC para a escolha do diretor-geral começou quinta-feira, em Genebra, conduzida pela presidente do conselho-geral, a queniana Amina Chawahir Mohammed. O processo deverá se estender até meados desta semana, quando um dos candidatos será eliminado e restarão só os dois finalistas.

Em princípio, o governo brasileiro tenderia a apoiar Lamy, desde que ele se mostrasse mais sensível aos interesses do mundo em desenvolvimento, sobretudo dos exportadores agrícolas. Em jogo, estaria a possível designação do Brasil para um dos três postos de diretor-geral-adjunto - um deles, tradicionalmente, dos EUA. Cauteloso, o chanceler Celso Amorim preferiu aproveitar até o último minuto para "refletir".

Para os setores contrários à candidatura do europeu, sensibilizar Lamy seria tarefa inútil. Sua eleição significaria certamente uma perda para o sistema multilateral de comércio. Essas fontes alertam para o fato de que dificilmente Lamy dividiria seu poder com o restante da cúpula da OMC, mesmo com o diretor-geral-adjunto americano. Como comissário para o Comércio da UE até novembro, ele defendeu a seletividade, a exclusão agrícola, a discriminação e o comércio administrado - medidas injustas e desleais, do ponto de vista brasileiro. Além disso, pode ser responsabilizado pelo fracasso da reunião ministerial de Cancún.

O candidato das Ilhas Maurício, Jayan Krishna Cuttaree, apoiado por boa parte dos países africanos e pelo G-90, o grupo que reúne os países mais pobres da OMC, seria outra opção indesejável, na avaliação dessa ala do Itamaraty. Entre as posições defendidas pelo G-90 está a preservação dos mecanismos de preferência tarifária unilaterais concedidos principalmente pela UE a suas ex-colônias.

Trata-se de um sistema que, além de causar desvios no comércio internacional, inibe o desenvolvimento dos setores produtivos nesses países. "Cuttaree é o Lamy do outro lado do espelho", afirmou um experiente diplomata.