Título: Por que a Índia cresce muito
Autor: Mailson da Nóbrega
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2005, Economia, p. B8

Depois da chinesa, a economia indiana é a que mais cresce. Esse desempenho, diz-se por aqui, resulta de um modelo de articulação entre o Estado e o setor privado, que o Brasil deveria seguir. O êxito adviria, assim, de estratégia diferente da seguida pelo mundo anglo-saxônico. Nada mais falso. Estudo recente mostra que o sucesso indiano deriva essencialmente do desmonte de seu gigantesco aparato de intervenção na economia: Indian since independence, de J. Bradford Delong, da coletânea editada por Dani Rodrik (In search of prosperity: analytic narratives on Economic Growth, Princeton University Press, 2003).

A Índia pós-colonial preservou o modelo de democracia britânico, mas na economia adotou sua própria estratégia. A história econômica de país independente começa, como assinala Delong, com uma equivocada virada do primeiro-ministro Jawaharlal Nehru em direção ao planejamento central e a inacreditáveis controles burocráticos. Esse sistema ("license raj") estrangulou o setor privado e provocou corrupção e enormes ineficiências.

Nehru, um socialista Fabiano, se inspirou na União Soviética, que imaginava constituir um sucesso de mobilização de recursos para o desenvolvimento. Era um equívoco, como se viu depois, mas na época ele não estava só. Poucos líderes do Terceiro Mundo - expressão que ele criou - acreditavam que o setor privado fosse uma fonte importante de investimento. A Índia optou pelo dirigismo econômico para promover o desenvolvimento e distribuir seus frutos. Resultado: meio século de estagnação.

A aposta no ativismo estatal e na substituição de importações foi a mesma da América Latina. Aqui, embora o modelo tenha ruído sob o peso de suas ineficiências, ocorreram surtos de crescimento durante cerca de três décadas. A Índia não conseguiu nem isso, provavelmente porque o dirigismo e as restrições ao investimento estrangeiro superaram os observados nos países latino-americanos.

A situação começou a mudar em 1985 quando o último membro da dinastia Nehru, Rajiv Gandhi, se tornou primeiro-ministro e promoveu uma nova virada, agora rumo à desburocratização, à abertura da economia e à tecnologia estrangeira. Ghandi reduziu tributos, tarifas aduaneiras e restrições às importações. Mais: iniciou o desmonte do sufocante sistema de licenciamento e atraiu executivos do setor privado para ocupar postos ministeriais.

Nesses 20 anos, houve notável continuidade na política econômica e se assistiu a sucessivas ondas de reformas liberalizantes. Malgrado a crise cambial do final do governo Ghandi, o crescimento médio anual da Índia alcançou 5,7% entre 1985 e 1995 e 6,1% entre 1996 e 2004. No acumulado, 197,5%.

Na mesma época, fizemos o oposto. Decretamos a moratória da dívida externa, defendemos a geração de déficits públicos e vivemos o grande desastre da Constituição de 1988: ampliação do estatismo e dos gastos públicos, dificuldades para o investimento privado e restrições ao capital estrangeiro. Nos períodos citados, o crescimento médio anual do Brasil foi de apenas 3% e 2,2%, respectivamente. Nos mesmos 20 anos, crescemos apenas 55,7%.

O êxito da Índia deriva dos esforços na educação, da solidez da democracia e da atenuação do dirigismo. Ou seja, um movimento em direção a políticas públicas anglo-saxônicas e não o contrário, como se pensa por aqui. Mesmo assim, muito resta a fazer. Segundo a The Economist, ainda existem 600 itens cuja produção é reservada exclusivamente a pequenas empresas O Brasil começou, 10 anos depois, um processo semelhante de reformas - mais lento, por requerer complexas reformas constitucionais -, mas o passado ainda nos persegue. Há demanda de um projeto nacional liderado pelo Estado, de políticas setoriais dirigistas, de controles de capitais externos e de outras ações do mesmo naipe.

Discordo dessas idéias. Para mim, a saída é acelerar o esforço de reformas para gerar segurança jurídica, melhorar o ambiente de negócios, ampliar o crédito, reduzir os juros, trilhar rumos corretos na educação e melhorar a gestão de políticas sociais. Daí nasceria uma economia mais competitiva, orientada pelo mercado, com maior potencial de crescimento e mais eficaz no campo social. O resto é nostalgia de uma outra época, que não pode voltar.